sexta-feira, 20 de junho de 2014

Desempregar, pra quê?

Antônio de Pádua Nunes Tomasi
Jornal O Tempo. Caderno Opinião p.9 (9/7/99)

Sabemos que não são as máquinas (sistemas organizacionais etc.) que desempregam os trabalhadores, mas as decisões de criá-las e, sobretudo, de utilizá-las. É verdade que graças a muitas destas decisões a vida moderna alcançou o conforto e a comodidade que grande parte da humanidade conhece hoje. Todavia é igualmente verdade que estes ganhos não têm sido socialmente bem repartidos, e que, costumeiramente, são gerados à custa do emprego de milhões de trabalhadores em todo o mundo.

Como se percebe, decisões desta ordem não se limitam à dimensão técnica do problema. Se não, vejamos: por que decidir pela utilização de máquinas, em substituição aos trabalhadores, quando a sociedade sofre o flagelo do desemprego?

Poderíamos considerar que a substituição se justificaria para determinados postos de trabalho ou para determinados setores produtivos ou, até mesmo, em tempos de pleno emprego, quando poderia ocorrer de maneira generalizada. Seria aceitável, por exemplo, que postos de trabalho que colocam em risco a vida, ou que comprometam a saúde do trabalhador, sejam, incontinentemente, suprimidos. Digamos que seriam, ainda, compreensíveis as justificativas dos setores submetidos à concorrência internacional que alegam sacrificar o emprego dos seus trabalhadores em nome da competitividade, da sobrevivência de suas empresas e da contribuição positiva com a balança comercial.

Mas por que postos de trabalho que não se enquadram nas condições acima são sistematicamente suprimidos? Como explicar que isto ocorra quando, pelo menos, no plano dos discursos, governantes e parlamentares se mostrem empenhados no combate ao desemprego?

Assistimos nos últimos anos à impiedosa destruição de empregos no setor bancário que, inclusive, transferiu parte das atividades dos seus funcionários para os clientes. Agora estamos assistindo à investida do setor distribuidor de combustíveis contra os seus trabalhadores e clientes com a implantação nos postos de gasolina do sistema "self service".

A utilização desse sistema, neste momento, não se constitue em uma ameaça apenas aos milhares de Frentistas distribuídos por todo o Brasil. O efeito multiplicador do desemprego, provocado pela perda do trabalhador desempregado da sua condição de consumidor, arrastará, inevitavelmente, a partir dos Frentistas, um grande número de outros trabalhadores.

A empresa multinacional distribuidora de combustível que anuncia, nas emissoras de televisão, os "novos" serviços, esconde, sob a enganosa mensagem de comodidade e preço baixo, a perversidade da sua decisão: destrói empregos em um dos momentos mais cruciais da vida do nosso povo. Destrói profissões, qualificações e joga trabalhadores e suas famílias na indignidade do desemprego.

Tanto em um como em outro setor, as decisões tomadas parecem distantes dos interesses da sociedade. No setor bancário, a população sofre nas filas e é obrigada a arcar com as elevadas taxas dos serviços, enquanto aumentam os lucros dos bancos e o desemprego entre os seus trabalhadores. No setor de distribuição de petróleo, a trajetória promete ser semelhante: constata-se que muitos postos de gasolina tradicionais praticam preços inferiores àqueles praticados pelos postos "self service", enquanto os trabalhadores destes últimos engrossam os índices de desemprego. 

A Europa introduziu o "self service" nos postos de gasolina no início dos anos 80. Uma década depois, com o aumento do desemprego, se deu conta do equívoco cometido. Pior, descobriu que o retorno ao sistema tradicional, medida que poderia reduzir o desemprego, se mostrava mais difícil do que a implantação do "self service".

Não se trata, aqui, de refutar o uso de tecnologias pelos setores produtivos, mas de questionar decisões que nos parecem incompatíveis com o momento atual. Na verdade, elas estão sendo tomadas no Brasil com, no mínimo, uma década de atraso e no momento em que o mundo desenvolvido procura corrigi-las. Estamos atrasados e na contra-mão. 

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