sexta-feira, 20 de junho de 2014

Quem tem boca maior...

Antônio de Pádua Nunes Tomasi
Jornal O Tempo. Caderno Opinião, p.9. (dezembro. 2000)

Tem-se propalado, ultimamente, uma generalizada crença no fim do emprego. Reforça a crença uma forte tendência, de alguns setores produtivos, de experimentar novos modos de gestão da mão-de-obra, como forma de fazer face à competitividade e à necessidade de redução do custo de produção. As experiências, entretanto, são ainda muito recentes e seus resultados, entre eles alguns negativos, insuficientemente conclusivos. Assim, o fim do emprego parece mais um exercício de futurologia de uns, que possivelmente o desejam; ou de outros, que se deixam levar por estes, do que uma realidade. É tamanha a propagação de tal crença que vale a pena perguntar: o "fim do emprego", como anunciado, é o resultado de uma mudança no mundo do trabalho ou, ao contrário, precisa-se dele para se viabilizar tal mudança?

Para o trabalhador, o emprego é sinônimo de salário e de direitos trabalhistas. O primeiro correspondente à remuneração que lhe é devida pela venda da sua força de trabalho; o segundo, às condições em que deve se dar o trabalho e a referida venda. Embora salário e direitos trabalhistas se apresentem de forma indissociável, isto nem sempre foi assim.

A condição assalariada tomou forma na passagem do artesanato para a manufatura e se consolidou na indústria. Cada vez mais predominante como modo de gestão da mão-de-obra, ela representou perdas para o trabalhador, entre elas, a sua autonomia. Foram precisas incontáveis lutas, ao longo dos últimos séculos, para que a relação capital/trabalho se aproximasse de um certo equilíbrio depois de pender com maior peso para o primeiro. As forças que tenderam nessa direção deram forma aos chamados direitos trabalhista.

Os primeiros sinais de que o emprego _salário e direitos trabalhistas_ não mais atendia aos interesses dos empregadores surgem na década de 70. O esgotamento do modelo taylorista é a senha para que mudanças sejam introduzidas na gestão da mão-de-obra. Os novos modos de organização do trabalho que se desenvolvem e proliferam, a partir de então, reclamam uma flexibilização das relações de trabalho e da legislação trabalhista. Estava posta em marcha, por parte dos empregadores, a tentativa de se dissociar o salário de direitos trabalhistas, desfigurando ou destruindo o emprego. Igualmente em curso se encontrava um processo de reconstrução do perfil do trabalhador. O trabalhador qualificado, que encontra no taylorismo a sua referência mais precisa e no emprego uma compensação às suas perdas, dá lugar ao trabalhador competente, cuja referência são os novos modos de organização do trabalho e tem na terceirização a promessa de recuperar a autonomia. Ao recuperá-la, se é que de fato isto ocorre, o trabalhador perde a sua condição de empregado e os direitos pelos quais lutou nos últimos séculos.

As artimanhas para forçar tal dissociação _descaracterizando ou destruindo o emprego_ são inúmeras. O discurso, puramente ideológico, do "fim do emprego", cria as bases para o convencimento do trabalhador de que salários mais altos substituem os direitos trabalhistas. A experiência já nos mostrou, contudo, para onde tudo isso nos levará. Depois de destruído o emprego, o trabalhador, desprotegido, não terá como fugir à selva do mercado, onde quem tem boca maior...


Nenhum comentário:

Postar um comentário