sexta-feira, 20 de junho de 2014

Ricos e pobres

Antônio de Pádua Nunes Tomasi
Jornal O Tempo. Caderno Opinião, p.9 (03/3/2000)

A proposta de regionalização do salário mínimo, criando valores diferenciados e defendida sob vários argumentos, parece se fundamentar na ideia segundo a qual algumas regiões do país, por serem mais pobres, teriam maior dificuldade para arcar com um salário nos mesmos valores dos praticados por regiões mais ricas.

Ora, na medida em que o valor do salário mínimo fica atrelado às possibilidades de as fontes pagadoras praticarem-no, e não às necessidades do trabalhador, não estaria a proposta desconhecendo direitos fundamentais destes últimos ou, ainda, não estaria desconhecendo a dimensão social do referido salário? Independentemente da região em que se encontra, o trabalhador não é o mesmo e não tem as mesmas necessidades (alimentação, moradia, saúde, lazer)? Se é nas regiões mais pobres que se encontram as populações mais dependentes do salário mínimo (inclusive aposentados e pensionistas) e mais desprotegidas socialmente, a proposta não contribuiria para aumentar, ainda mais, a distância entre ricos e pobres? Ou, então, não contribuiria para consolidar a pobreza nestas regiões? Se, por algum estranho motivo, regiões pobres devem ser discriminadas, por que não positivamente, atribuindo-lhes os maiores valores do salário? 

Embora, aparentemente, as questões relativas ao salário mínimo digam respeito somente aos trabalhadores de baixa qualificação, elas se estendem ao conjunto dos trabalhadores no exercício de inúmeras profissões e possuidores de diferentes qualificações. Nos países onde é praticado, o mínimo tem se mostrado como uma referência importante para o mercado de trabalho. Estabelece um patamar a partir do qual se dá a negociação salarial, impedindo que sejam impostas e praticadas, pelo mercado, remunerações socialmente inaceitáveis, sobretudo aquelas referentes aos trabalhadores mais desprotegidos. Registre-se, também, a sua importância como mecanismo de distribuição de renda. Sabe-se que em alguns países, onde a renda nacional é bem distribuída, a distância entre o salário mínimo e o chamado teto salarial é bem reduzida.

No Brasil, não obstante a sua perda no poder de compra, que o distancia, enormemente, do valor determinado na sua criação, quando foram consideradas as necessidades básicas do trabalhador e de sua família, o mínimo guarda as mesmas funções: organiza o mercado de trabalho, ajuda a proteger o trabalhador e a corrigir as desigualdades sociais. Assim, um único valor para o salário mínimo, ainda que corroído e insuficiente, pode, senão corrigir as desigualdades, pelo menos, impedir que elas se ampliem.

Nesse sentido, regionalizar o salário mínimo, como proposto, parece contrariar os princípios que o instituíram e nos leva a questionar: afinal, pagamos menores salários porque somos mais pobres ou somos mais pobres porque pagamos salários menores?

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