domingo, 31 de maio de 2020

ELES NÃO QUEREM CARREGAR LATA DE MASSA EM SOL QUENTE. E POR QUE HAVERIAM DE QUERER?


Autores e información del artículo
Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833

Antônio de Pádua Nunes Tomasi*
Sara Lopes Fonseca**
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais, Brasil
tomasi@uai.com.br

Resumo
O canteiro de obras da construção civil foi ao longo do tempo e em quase todo mundo uma das poucas oportunidades para muitos jovens pobres e sem qualificação profissional, oriundos muitas vezes do meio rural, ingressarem no mundo do trabalho. Cada vez menos, todavia, os jovens parecem atraídos pelos canteiros de obra, onde os trabalhos pesados, insalubres e de pouco prestígio social ainda predominam, muito embora as oportunidades se mantenham. Mesmo as mudanças recentes ocorridas nas grandes construtoras, que incorporaram novas tecnologias construtivas e organizacionais, inclusive sistemas de produção semelhantes aos utilizados pelo restante da indústria, não foram suficientes para apagar o estigma que marca este setor produtivo e atrair os jovens. Assim, se por um lado o jovem se queixa do desemprego ou da dificuldade para acessar o primeiro emprego; por outro lado, a construção civil se queixa da carência de mão de obra, muito especialmente da mão de obra qualificada.
Palavras-chave: Juventude, Trabalho, Construção Civil, Mão de Obra, Operário
Abstract
The building sites were construction through centuries the first and almost the whole world only opportunity for many poor young and unskilled, often coming from the countryside, entering the world of work. This picture, however, has changed and fewer young people seem attracted to building sites, where the heavy work, unhealthy and little social prestige still predominate. Even the recent changes in the major construction companies that started using production systems settled in technologies like the rest of the industry were not enough to erase the stigma that marks this productive sector. The scenario becomes ambiguous because, on one side the young man cares about unemployment and the lack of the first job opportunity; on the other hand, it appears the needy civilian sector of labor, and as a last option of choice and attractive to young people.
Keywords:  Youth, Civil construction, Labor, workforce

Os jovens operários e a construção civil
Ao longo do tempo e em quase todo mundo a construção civil sempre contou com uma mão de obra jovem, pobre, com baixa escolaridade ou mesmo analfabeta, com pouca ou quase nenhuma qualificação profissional e de origem rural. Para esses jovens a construção civil e seus canteiros de obras, onde predominam os trabalhos duros e arriscados, apresentava-se como uma porta de entrada para o mundo do trabalho, para o mundo urbano, para a inserção e a mobilidade social.
Segundo Mendez (2013) alguns postos de trabalho, dentre eles destacamos os de ajudante ou de servente da construção civil, servem de porta de entrada para os jovens nos canteiros de obras, caracterizando ocupações típicas para a população jovem. Uma vez que eles adquirem idade e experiência, tendem a migrar para outros postos de trabalho e abrir espaço para renovar a força de trabalho jovem. E, ainda, para alguns jovens os canteiros de obras eram apenas uma passagem para outros setores produtivos, como a indústria ou os serviços, onde esperavam ser melhor remunerados, mas muito especialmente, acrescentaríamos, trabalhos menos duros e menos arriscados. Para outros, entretanto, os canteiros de obras foram uma “escolha” definitiva ou para toda a vida.
Os últimos, depois de alguns meses mergulhados nos trabalhos como serventes ou ajudantes, passavam a meio oficial de pedreiro, de carpinteiro ou de armador, por exemplo, até serem, com o tempo e muito trabalho, qualificados como oficiais. Dentre estes, alguns se destacavam alcançando os postos de encarregado e de mestre de obras depois de 15 anos ou mais de trabalho. A construção civil tornava-se a sua escola (COSTA, TOMASI, 2009) e os canteiros de obras as salas de aula e laboratórios onde adquiriam saberes, construíam conhecimentos e se qualificavam. Olhares atentos aos gestos dos colegas, às entrecortadas mensagens e ordens que organizam os trabalhos de canteiros, eles ensaiavam mentalmente seus próprios gestos à espera da oportunidade de executá-los. Eles conduzem, assim, a sua própria formação profissional, qualificam-se no embate com os empregadores e constroem, para toda a vida, uma carreira profissional na construção civil. Como nos ensina Naville (1956, 1963), ou seja, para além do conteúdo do trabalho (FRIEDMANN, 1946, 1950), a qualificação se constrói, sobretudo, nas negociações tensas entre capital e trabalho.
As relações de trabalho, a formação e a qualificação profissional dos operários da construção civil aconteciam, portanto, num contexto muito específico do setor (TOMASI, 1999) e bem conhecido da academia. Enquanto o mundo da produção e do trabalho assistiam as revoluções industriais, revigoradas no início do século XX com o surgimento do taylorismo e décadas depois com o desenvolvimento dos novos sistemas de produção, também conhecidos por neo-tayloristas, ou seja, a mais perfeita tradução até então vista da expropriação do controle do processo de trabalho, da autonomia do trabalhador e de seus saberes, que os acompanhavam geração após geração, a construção civil parecia alheia a todos estes acontecimentos, como que protegida pelo seu modo artesanal de fabricação. E protegida de todos esses acontecimentos ela consumia a força de trabalho de jovens pobres, analfabetos ou quase, vindos dos campos ou dos mais distantes rincões do país ou do estrangeiro.
Esse quadro, entretanto, que retrata uma construção civil bastante artesanal ou tradicional, como a ela se referem alguns, tem mudado em todo mundo. Tal mudança se dá, ainda que tardiamente, em ressonância às novas configurações econômicas mundiais a partir dos anos 1970 (choque do petróleo, predomínio do capital financeiro em detrimento do capital industrial, globalização da economia e aumento da competitividade), que passam a exigir do mundo do trabalho e da produção, rapidez, redução de custos e qualidade. Na construção civil as exigências se fazem sentir mais intensamente no final do século XX e são traduzidas nos canteiros de obras pela transferência do controle do processo de trabalho do operário para a empresa (gestores das obras) e pela utilização de sistemas de produção semelhantes aos utilizados pelo restante da indústria, capazes de assegurar um maior controle da obra como um todo (estoque, produção, tempo, homens etc.) (TOMASI, 1996, 2005). Transferência esta que, na verdade, já vinha ocorrendo nos demais setores produtivos desde a revolução industrial, quando artesãos deixam suas oficinas para integrar coletivos de trabalho submetidos a um mesmo capital (BRAVERMAN, 1974) e de forma mais intensa no inicio do século passado com o Taylorismo e a partir dos anos 1970, com o choque do petróleo e as implicações decorrentes, dentre elas o surgimento de novos sistemas de produção.
A construção civil, limitada por suas especificidades e heterogeneidade (TOMASI, 1999), procura seguir os mesmos passos do restante dos setores produtivos num movimento entendido como de industrialização. Não se trata, contudo, de tarefa fácil.
No Brasil, características quase que universais da construção civil, muito especialmente no que diz respeito à mão de obra e ao seu modo de gestão, são acentuadas e, como vemos a seguir, podem representar obstáculos à industrialização, pelo menos nos moldes dos demais setores produtivos.
A construção civil se divide nos subsetores Materiais de Construção, Edificações, Construção Pesada (DECONCIC/FIESP, 2008) ou de Edificações, Construção Pesada, Montagem Industrial (SEBRAE-MG, 2005), segundo estes órgãos. Dentre os referidos setores o de Edificações, destaca-se pelo trabalho operário marcado pela informalidade e pela instabilidade. A informalidade, pelo seu elevado contingente de trabalhadores independentes e de assalariados não registrados; a (alta) instabilidade, pela elevada rotatividade da mão de obra e o caráter cíclico da atividade em resposta a demandas específicas para cada etapa da obra. Devido a esta última característica o trabalhador do setor é vulgarmente conhecido como “peão”, ou seja, aquele que roda, ressalta Costa (2010).
Ainda segundo Costa (2010), há muitas décadas o setor funciona com formas precárias de trabalho, formas ilegais de contratação, nas quais as fronteiras entre o formal e o informal se revelam fluidas. A flexibilização dos contratos e a precarização do trabalho estão, também, presentes na gestão do trabalho desse setor, onde predomina trabalhadores com menor qualificação formal e com baixos salários, reforçando a vulnerabilidade a que estão submetidos.
Este quadro parece se dever, em grande medida, ao fato da construção civil ser fortemente influenciada pelos ciclos econômicos: nos momentos de recessão os salários diminuem rapidamente e no seu ápice os salários sobem de maneira acelerada (GOELLI, 2011, p.1).
Recentemente a construção civil brasileira vivenciou um desses ápices econômicos, visível no aumento da demanda que produziu o “boom” do setor, fruto dos eventos internacionais como a Copa do Mundo, as Olimpíadas e como o Minha Casa, Minha Vida e as obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). O “boom” colocou ainda em evidência dois velhos problemas conhecidos do setor: a falta de mão de obra e a baixa qualificação desta mesma mão de obra.
Segundo pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, mesmo diante de mudanças importantes ocorridas na construção civil nas últimas décadas, a oferta de mão de obra se apresenta, ainda, como obstáculo, tanto em termos quantitativos como qualitativos. De acordo com Neri “Apesar de a construção ter se alinhado com novas tendências trabalhistas aumentando a escolaridade dos seus trabalhadores, reduzindo a ocupação precoce e a informalidade, há aumento da escassez trabalhista vis-à-vis os demais setores.” (NERI, 2011, p.7)
Para Costa e Tomasi (2009) a falta de mão de obra qualificada é uma queixa recorrente e não recente na construção civil. E, ainda, na concepção de Neri (2011), referindo-se aos anos recentes que registraram crescimento do setor, a mão de obra, seja ela qualificada ou não, tem sido o grande obstáculo para a expansão do setor da construção civil. Por isso, tem-se utilizado o termo “apagão da mão de obra”.
No ano de 2009, 7,9% das pessoas ocupadas no Brasil eram trabalhadores da construção civil e dentre estes trabalhadores 97,2% eram do sexo masculino, (NERI, 2011). Atualmente o setor da construção civil é apontado pela RAIS (2014) como um dos que apresentam as maiores quedas no número total de empregos formais. Houve um declínio de 76,9 mil postos de trabalho ou 2,6%. O desempenho negativo do setor em 2014 pode ser explicado pela queda do emprego formal nas atividades de: Construção de Edifícios (com menos 13.564 postos de trabalho), Construção de Obras de Artes Especiais (-4.555) e de Montagem de Instalações Industriais e de Estruturas Metálicas (-3.723). 
É importante registrar, contudo, que o ciclo econômico brasileiro que favoreceu a construção civil nos últimos anos dá mostras de esgotamento com as dificuldades econômicas que marcaram o ano de 2015 e 2016 e que foram acompanhadas por um aumento dos índices de desemprego com implicações para os operários, deste e de outros setores, dentre eles os mais jovens à procura do primeiro emprego.
Assim, sob as novas condições e exigências impostas pelo mercado, os canteiros de obras passam a demandar trabalhadores mais adaptados ou adaptáveis aos novos sistemas de produção. Para que o operário da construção possa compreender e atender a estes novos sistemas e às novas normas técnicas que os acompanham é exigido dele um maior nível de escolaridade. Ele precisa saber ler, escrever, interpretar textos, realizar cálculos e, por vezes, interagir com novas tecnologias, equipamentos e, em alguns casos, com sistemas informatizados para executar o trabalho que lhe é prescrito. Essas exigências vão muito além das predominantemente manuais dele exigidas há pouco tempo atrás. Esses outros saberes adquiridos e conhecimentos construídos nas novas situações de trabalho, sobretudo nas grandes empresas da construção, constituirão uma nova qualificação dos trabalhadores, agora descolada do controle do processo de trabalho que outrora dela fazia parte (TOMASI, 1996). Essa nova qualificação, assim como tradicionalmente ocorre no setor, continua sendo predominantemente construída no interior dos canteiros de obras e na situação de trabalho, ainda que iniciativas de formação profissional fora dos canteiros se mostrem cada vez mais frequentes e mais observadas entre os operários (TOMASI; FERREIRA, 2013).
A demanda da construção civil de operários mais escolarizados, não se constitui, aparentemente, um problema para o setor do ponto de vista do recrutamento e da seleção de novos trabalhadores visto que, nos últimos 100 anos, observa-se um aumento em todo mundo da escolaridade da população em geral, incluindo o operariado, e, entre estes últimos, os operários da construção civil.
Dados da situação escolar dos jovens brasileiros apontam para um aumento de oportunidades escolares a partir de 1990. Desde então, a escolaridade média tem evoluído positivamente. A média de escolaridade para os jovens com idade entre 15 e 24 anos subiu 1,5 anos, entre o ano de 1995 e 2005. A qualidade da escolaridade, entretanto, não tem acompanhado a quantidade de tempo estudado (ABRAMO, 2005).
Pochmann (1998) observa que o avanço na escolaridade não foi acompanhado, também, pela elevação no nível de emprego[1] e, ainda, como antídoto ao agravamento do desemprego, os jovens têm dedicado maior tempo à sua formação profissional.
Talvez possamos dizer que a juventude pobre, comumente associada ao trabalho na construção civil, que é a que nos interessa neste estudo, tem construído rotas de fugas em relação ao destino operário e ao pouco reconhecimento e prestígio social. Pode ser neste sentido, também, que o investimento em estudo e cursos profissionalizantes atraia os mesmos jovens.
Registre-se, contudo, que as questões relativas ao trabalho estão entre os principais interesses dos jovens, tanto os que trabalham, quanto para os que estão à procura de ocupação. Isto porque o ingresso no mundo do trabalho constitui-se, tradicionalmente, um dos principais marcos de passagem da condição juvenil para a vida adulta. Na verdade, trabalho é assunto atraente para população jovem, independentemente da classe social ou do seu nível de escolaridade (SPÓSITO, 2003).
Além de ser de seu interesse é, também, visto como o seu principal problema, especialmente no que diz respeito à falta dele ou o desemprego, indicando que há uma consciência e uma insegurança frente ao mercado de trabalho (GUIMARÃES, 2005). Esse fato não é de todo estranho, visto o cenário de desemprego ou de poucas oportunidades que a juventude enfrenta.
Registre-se, ainda, que os índices de desemprego mais otimistas no Brasil e no mundo tem mostrado com muita clareza que os jovens, em princípio os que interessam à construção civil para renovar a sua força de trabalho, tem os índices mais elevados de desemprego (POCHMANN, 1998). Em outras palavras, o primeiro emprego é sempre um grande desafio para o jovem.
Vários autores apontam que os jovens são os que mais sofrem com o desemprego, sendo considerados como o elo mais fraco do contexto econômico (POCHMANN, 1998; TELES; FREGULIA e CARVALHO, 2002; SPOSITO, 2003).
O mercado brasileiro apresenta baixa capacidade de gerar postos de trabalho[2] para o total da população que nele pretende ingressar, bem como de manter o jovem empregado por muito tempo. A cada 100 jovens que ingressaram no mercado de trabalho somente 45 encontraram algum tipo de ocupação enquanto 55 ficaram desempregados, conforme estudo de Pochmann (2007). Este quadro de desemprego completa o estudo, se agrava quando se trata de jovens negros e/ou de jovens oriundos de famílias com menor renda familiar.
A escolaridade tem, também, um papel importante para entendermos a relação da juventude com o trabalho na construção civil. A falta de força de trabalho no setor, que para Neri (2011) é denominado como o “apagão da mão de obra”, pode estar acontecendo porque os mais escolarizados não querem os trabalhos pesados e mal remunerados da construção civil[3]. Os que aceitam os trabalhos de canteiros de obras podem ser os que de alguma forma foram mal sucedidos na escola. Aliás, como assinala Dubet (1992)[4] sobre o jovem francês, o fracasso escolar é o ponto de partida para o jovem tornar-se operário, o que pode não ser muito diferente do que ocorre entre os nosso jovens.
Vale a pena, ainda, lembrar a clássica obra de Bourdieu e Passeron (1992) “A Reprodução: elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino” que aponta a íntima relação entre escola e desigualdade social. Ela aborda essa relação a partir de uma perspectiva cultural e exterior à escola e nela esta última tem papel de destaque na reprodução das desigualdades sociais.
Mas escolaridade e qualificação não são a mesma coisa. Em outras palavras, trabalhadores escolarizados não são necessariamente qualificados e vice-versa. Assim, poder-se-ia acreditar que, pelo menos num primeiro momento, a simples melhoria dos níveis de escolaridade da população não atenderia a construção civil, que precisa, mais do que isto, ou seja, precisa de uma mão de obra qualificada. Um olhar mais atento, todavia, nos mostra que se a escolaridade mais elevada do operariado não atende de pronto a construção civil, ela atenderia em médio e longo prazo, isto porque, como nos mostra a literatura, quanto maior o nível de escolaridade do trabalhador mais rapidamente ele se qualifica, o que significa dizer que para formar um pedreiro ou um mestre de obras pode ser necessário menos tempo (TOMASI, 1996). Logo, se a construção civil precisa de trabalhadores mais escolarizados ela os tem à disposição. Se ela precisa de trabalhadores qualificados ela pode qualifica-los mais rapidamente. E se os canteiros de obras eram apenas uma porta aberta aos mais pobres, aos desvalidos da sorte, retirantes à procura de trabalho e de melhores condições de vida, ele seria hoje um espaço de trabalho como tantos outros dos demais setores produtivos. Os canteiros de obras seriam, agora, uma porta aberta aos jovens urbanos, mesmo porque o fenômeno da migração rural faz parte do passado, uma porta aberta aos mais escolarizados e interessados em construir uma carreira profissional na construção civil.
Pelo menos do ponto de vista da gestão dos recursos humanos a construção civil poderia fazer as mudanças que tenta fazer, acompanhando os demais setores produtivos, sem grandes problemas. Ledo engano. A partir do final do século passado a construção civil, inclusive a brasileira, começou a apontar um problema, qual seja o do envelhecimento da sua mão de obra (TOMASI, 1999). Em princípio o envelhecimento da mão de obra da construção pode ser entendido como uma recusa dos jovens a integrar os coletivos de trabalho destinados aos canteiros de obras da construção civil. Mas o que os levariam a essa recusa? Ou, colocando de outra forma o problema, o interesse dos jovens pode ter se deslocado para trabalhos em outros setores produtivos mais atraentes?
Segundo Neri (2011) em 2009 o total de jovens empregados na construção civil era de 28%, percentual abaixo dos demais setores, cujo percentual é de 31%. Dessa forma, a construção tem se tornado um setor cada vez “menos jovem” tendo em vista que em 1996, 34,2% de seus trabalhadores tinham idade entre 15 e 29 anos. A proporção de jovens trabalhadores vem caindo mais na construção em relação aos demais setores.
O autor afirma, ainda, que esse setor emprega pessoas que começaram a trabalhar muito cedo. Ou seja, a construção é o setor que mais emprega pessoas que iniciaram precocemente a carreira trabalhista. Mas aos poucos isto também tem mudado. Em 1996 o percentual de pessoas que começaram a trabalhar com até 14 anos de idade na construção civil era de 71% e em 2009 este número já havia reduzido para 58,7%. Há que se considerar, também, que a legislação impede o trabalho para pessoas com menos de 16 anos pode ter contribuído muito para essa redução (BRASIL, 1990).
Outros fatores, entretanto, podem contribuir para o envelhecimento da mão de obra do setor. O aumento do tempo de vida da população pode explicar a presença de trabalhadores mais velhos no trabalho e na medida em que conhecem bem o trabalho que fazem eles podem ser preferidos pelas empresas no lugar de jovens.
Da mesma forma, a necessidade dos mais velhos de trabalhar para ajudar as famílias, especialmente em países mais pobres ou vivendo altos índices de desemprego, pode, também, explicar sua presença nos canteiros de obras.
Para além de outras explicações, o envelhecimento da mão de obra pode estar, sim, associado a um desinteresse dos jovens pelos trabalhos de canteiros de obras, o que obrigaria os construtores a manter por mais tempo os trabalhadores mais velhos nos canteiros de obras.
Na verdade, os jovens podem se defrontar a duas situações. Na primeira, muito embora o setor da construção civil passe pelas mudanças acima lembradas, os trabalhos duros, arriscados e insalubres persistem, muito especialmente nas pequenas construtoras.
Costa e Cockell (2014) em estudo com profissionais que já estão no canteiro de obras, observaram que se tornar um profissional da construção não desperta o interesse da maioria deles. As exigências relativas à manipulação de equipamentos pesados e de materiais tais como cimento e areia, além da exposição à inclemência do tempo, de extensas jornadas de trabalho, de risco de acidentes de trabalho e rudeza do trabalho, são fatores que parecem tornar a procura pela carreira na construção civil como algo não desejado.
Segundo Costa e Tomasi (2009) a literatura internacional é farta nos registros que apontam que os canteiros de obras não mais despertam o interesse dos jovens. Para estes autores, o caráter estigmatizado dos ofícios, os baixos salários, a rudeza dos serviços e o enorme desgaste físico, exigido pelos trabalhos, fazem com que haja uma desmotivação, especialmente por parte dos jovens, em procurar, no setor, uma profissão. (COSTA, TOMASI, 2009, p.8)
Os jovens que escolhem trabalhar na construção civil enfrentam o estigma do trabalho pesado e a pressão social de amigos e familiares que consideram este trabalho como “pouco qualificado para quem concluiu os estudos”, conforme afirma Costa e Cockell (2014, p.76).
Registre-se, ainda, que, diferentemente do que se pode pensar, os trabalhos de canteiros de obras exigem consolidada qualificação, que não é conseguida facilmente e nem rapidamente. Em suma, os trabalhos da construção, como os de carpinteiro de forma, pedreiro de acabamento, eletricista, entre outros, são mais complexos do que aparentam ser e sua aprendizagem demanda muito tempo e dedicação (TOMASI, 1996).
Na segunda situação, o desenvolvimento tecnológico recente, com destaque para o setor da informática, bem como o surgimento de outros setores produtivos decorrentes ou não do desenvolvimento da tecnologia, e o crescente setor de serviços, criaram novas oportunidades de trabalho para os jovens. Os serviços de motoboy, por exemplo, ainda que pese o risco que acompanha esta atividade, é uma destas oportunidades de trabalho.
Ressalte-se que esta atividade, assim como possivelmente outras deslumbradas pelos jovens, assegura uma autonomia, que sempre foi valorizada pelo trabalhador. Autonomia no sentido de liberdade para gerir o próprio trabalho, como executá-lo e o tempo de execução. Não é muito lembrar que as mudanças na construção civil vão na direção contrária, ou seja, da perda da autonomia pelo trabalhador. Observa-se, ainda, que muitas destas novas oportunidades exigem uma menor qualificação do jovem, qualificação que é entendida, aqui, pelo conteúdo da atividade (FRIEDMANN, 1946, 1950), que no caso é um conteúdo menos complexo, demandando menos tempo de formação.
O problema do envelhecimento da mão de obra da construção é, também, de grande responsabilidade do setor. Segundo Gioelli (2011) a baixa capacidade da construção em atrair e reter pessoas agrava a falta de mão de obra para o setor. Como observam Costa e Cockell (2014) a construção civil pouco se preocupou em estabilizar a sua mão de obra, isto é, em rever a gestão do trabalho e melhorar suas condições, principalmente a remuneração, no intuito de atrair um maior contingente de trabalhadores dispostos a investir no oficio.
Não nos parece exagero dizer que a construção civil, muito especialmente o subsetor edificações, sempre teve uma relação muito predatória com a sua mão de obra. A rotatividade da mão de obra, uma das mais elevadas entre os setores produtivos e a subcontratação, prática de gestão usual do setor, são exemplos (COSTA, 2010), como já foi assinalado acima.
Estes e outros fatores, em diferentes medidas, podem contribuir para a redução observada nos canteiros de obras de uma mão de obra jovem. E os jovens ou, mais precisamente, a juventude, como veremos mais à frente, se vê e é vista de forma muito particular, exigindo atenção ao ser abordada. É neste sentido, na busca de uma resposta mais próxima ou mais justa para o fato, que nos perguntamos: que fatores explicariam, aos olhos dos próprios jovens, a não procura da construção civil e seus canteiros de obras como espaço de trabalho? Antes, porém, algumas linhas sobre a juventude se fazem necessárias.
2- Juventude (s)
O conceito de juventude é amplamente utilizado no cotidiano, mas sua definição mostra-se plena de imprecisões. Encontramos na literatura autores que sugerem a representação da juventude no seu sentido plural - juventudes, devido à multiplicidade de conceitos e à diversidade de situações que afetam os sujeitos nesta etapa da vida (DAYRELL, 2003; SPOSITO, 2003; SILVA, 2007).
Para Souza e Paiva (2012) não existe uma concepção única que caracterize e delimite o grupo geracional no qual os jovens estão inseridos, por se tratar de uma categoria em processo de construção contínua, social e histórica. Assim, a juventude não pode ser tratada de forma universal.
Nesse sentido e nas palavras destes autores, a juventude caracteriza-se em relação a uma multiplicidade de fatores, tanto os tidos como comuns a todos os jovens (a puberdade, por exemplo) quanto os que apontam para sua diversidade (nacionalidade, origem de classe, gênero, etnia, idade, situação socioeconômicas, hábitos culturais, pertencimento espacial/vida rural ou urbana, opção religiosa, composição familiar, experiências escolares, trajetória pessoal, dentre outras).
Para Dayrell (2003) juventude e ser jovem aparecem no imaginário social de diversas formas. Uma das maneiras mais arraigadas de se ver a juventude é na condição de transitoriedade, na qual o jovem é um “vir a ser”. Nessa perspectiva há uma tendência de vê-la de forma negativa, ou seja, vê-se o jovem como alguém que ainda não é, ou não se tornou em algo, negando o presente vivido. Outra maneira é a visão romântica, na qual a juventude se apresenta associada à liberdade, ao prazer e à expressão de comportamentos exóticos. Alinha-se a essa ideia a noção de moratória, como um tempo de ensaios e de erros, de experimentações, um tempo marcado pelo hedonismo e pela irresponsabilidade. Por outro lado, juventude também pode ser vista como um momento de crise, uma fase difícil, com o predomínio de conflitos, tantos internos (autoestima e personalidade) como externos (crise e distanciamento da família).
“Considerar as diversas imagens e olhares sobre a juventude, significa não só romper com critérios rígidos, mas sim como parte de um processo de crescimento mais totalizante, que ganha contornos específicos no conjunto das experiências vivenciadas pelos indivíduos no seu contexto social.” (DAYRELL, 2003, p. 42).
Na concepção de Abramo (2005) é preciso relativizar e entender as histórias pessoais de cada jovem, uma vez que as desigualdades sociais produzem trajetórias diversas para eles.
A adolescência e a juventude muitas vezes são tomadas como sinônimos e associadas a um período de transição entre a infância e a vida adulta. São termos que comumente se reportam a um mesmo público, mas etimologicamente há um distanciamento e assumem visões diferenciadas.
Do latim “Ad” (para) + olescere”, (crescer), adolescência no sentido stricto significa “crescer para”. O étimo adolescência nos remete à ideia de desenvolvimento, de preparação para o que está por vir (PEREIRA, 2002). Do ponto de vista biológico, a adolescência está relacionada à puberdade, sem considerar os fatores sociais envolvidos.
O termo juventude, por sua vez, do latim “aeoum”, quer dizer “aquele que está em plena força” e engloba outros fatores como a aquisição de autonomia, a inserção no mercado de trabalho, a expectativa de vida etc., e,  devido a esses fatores, a definição etária da juventude não se mostra consensual com o termo adolescente[5].         
No Brasil, até 2005, eram considerados jovens aqueles com idade entre 15 e 24 anos, a partir desse ano tem-se utilizado os critérios da Secretaria Nacional da Juventude e do Conselho Nacional da Juventude (CONJUVE) que consideram jovens pessoas com idade entre 15 a 29 anos (SOUZA e PAIVA, 2012). Essa mudança aconteceu devido à maior expectativa de vida para população em geral, e maior dificuldade da geração em ganhar autonomia em função das transformações no mundo do trabalho (ANDRADE, 2008).
Para fins de definição de política pública, de legislação e de pesquisa, ainda que seja possível adotar um recorte etário para determinar quem são os jovens, deve-se considerar o caráter não universal e a-histórico que o termo juventude carrega. Isso significa dizer que existe variação no tempo e no espaço de uma cultura para outra e, até mesmo, no interior de uma mesma sociedade. Ser jovem não se resume a uma determinada idade e devem ser considerados aspectos como a autonomia, as formas de vida e a cultura.
Deve-se entender a juventude, não pelos seus aspectos uniformes e homogêneos, mas pela pluralidade de sentidos e perspectivas, que justificam a utilização da forma gramatical do termo juventudes. Assim, adotando essa concepção, entende-se que há diversos modos de vivenciar a juventude. Ser jovem pobre e ser jovem rico, por exemplo, pode fazer toda a diferença em determinadas situações.
Segundo estudos de Sposito (2003) e Abramo (2005), no início dos anos 2000, metade da população brasileira é constituída de crianças e jovens com idade até 25 anos, não havia predominância do sexo masculino ou feminino na população juvenil e aproximadamente 80% da população estava concentrada nos centros urbanos. A metade da população dos jovens estudantes tinham algum atraso escolar e 43% viviam com renda mensal familiar de até dois salários mínimos.
A pesquisa de Silva (2008) sobre aspirações de jovens de camadas populares de Belo Horizonte aponta que 40% do grupo estudado declararam nunca ter trabalhado, enquanto, 60% já exerciam alguma atividade laborativa, com trabalhos informais, em geral com baixa remuneração, ou com prestação de serviços voluntários. Os jovens apontam o trabalho informal como a melhor opção de ocupação por ter menor exigência de carga horária/produtividade. Sobre as atividades dos jovens do sexo masculino as ocupações recorrentes são: ajudante de pedreiro, balconista de loja, fiscal de produção, cuidador de animas, babá e doceiro. Contudo, registra a autora, tais trabalhos ocupam caráter provisório, não sendo presente nos projetos de vida desses jovens, pois almejam trabalhos que possibilitem a ascensão social, status e fama. E, ainda, é no sentido de construção de projetos de vida da juventude que se pode entender melhor as aspirações e motivações das escolhas por campo de trabalho.
Silva (2008) afirma, também, que a família e as profissões de familiares interferem de maneira positiva ou negativa no projeto de vida do jovem. A autora ilustra tal afirmação com o relato de um jovem que trabalha como ajudante do pai que é pedreiro, e que repudia veementemente a ideia de continuar esse tipo de trabalho.
4- O que afasta e o que aproxima os jovens dos canteiros de obras da construção civil?
Nesta pesquisa, seguindo caminho semelhante ao tomado por Silva (2008), 13 jovens alunos de escolas públicas localizadas em regiões da periferia pobre de Belo Horizonte e inscritos entre 150 outros jovens numa Organização Não Governamental, que busca oportunidades de trabalho formal para jovens de baixa renda, participaram de entrevista e de um grupo focal.
Os critérios usados para os jovens pesquisados acompanharam o perfil clássico, segundo a literatura, dos jovens que tradicionalmente são inseridos na construção civil: a) sexo masculino; b) experiência de trabalho nos canteiros de obras da construção civil; c) residência ou convivência com algum familiar (pai, avô, tio etc.), cuja trajetória profissional é na construção civil ou em setor similar como operário.
Cinco dos jovens que participaram da pesquisa são alunos da rede municipal de ensino, responsável pelo ensino fundamental (da 1ª. série à nona série), e suas idades variam de 15 a 17 anos; oito são alunos da rede estadual de ensino médio, responsável pelo 1º. ao 3º. ano, e suas idades variam de 16 a 18 anos. Alguns têm um histórico de reprovação escolar, o que pode ser constatado a partir de suas idades, e a renda familiar não ultrapassa a dois salários mínimos. Dentre os entrevistados sete trabalham na construção civil, na forma contratual precária, seis deles se encontram no ensino médio e um no último ano do ensino fundamental. Os demais trabalham, também, de forma precária, em outros setores produtivos ou não trabalham de forma remunerada.
As entrevistas e o grupo focal foram conduzidos de forma a ressaltar o discurso dos jovens pesquisados sobre elementos previamente estabelecidos: as expectativas dos jovens em relação ao mundo do trabalho; as atividades que pretendem desenvolver no trabalho; onde pretendem trabalhar (setor produtivo); os motivos ou justificativas que conduzem suas escolhas.
As respostas dos entrevistados vão, em grande medida, ao encontro do que tem assinalado a literatura, como vimos anteriormente, mas ganham especial relevância porque são os próprios jovens, em suas palavras, que falam dos anseios e expectativas deles próprios. As entrevistas e o grupo focal procuraram, também, oferecer a oportunidade para que eles pudessem falar de seus desejos, temores ou outros sentimentos. Vejamos, então, o que alguns deles nos dizem sobre os jovens.
Os jovens querem trabalhar como administrativo... sem carregar peso, né? Trabalhar sentado.... (D., 17 anos)
Tô caçando um trabalhinho sentado, lá no ar condicionado, mexendo no computador, ué. (J.,18 anos).
Nenhum jovem tá caçando ficar carregando lata de massa em sol quente, não. (C., 16 anos)
Eles não querem trabalhos arriscados, nem pesados, nem sujos ou desconfortáveis. E porque haveriam de querer? A imagem que fazem dos canteiros de obras da construção civil e dos trabalhos que lá os espera, inclusive por experiência de alguns deles, é que são insalubres, arriscados e pesados. Ainda que a construção civil tenha incorporado novas tecnologias de base organizacional ou construtiva aos seus canteiros, aos olhos dos jovens o setor continua o mesmo: “lata de massa em sol quente”. De fato, grande parte das obras são, ainda, conduzidas por pequenas construtoras ou mesmo por pequenos empreiteiros, cujos trabalhos pouco mudaram, inclusive no que diz respeito à gestão da sua mão de obra marcada pelos contratos informais de trabalho, um dos motivos que parecem contribuir para o afastamento dos jovens dos canteiros de obras.
Eu quero trabalho regulamentado e acho que todos querem isso. Tipo com carteira assinada e tudo que tenho direito. Um trabalho suave, né? Quero ser alguém na vida.... Que minha família orgulhe de mim. (W., 18 anos)
A carteira de trabalho assinada sugere ser mais do que os direitos trabalhistas assegurados. 
Ela significa a inserção formal e socialmente reconhecida no mundo do trabalho, elemento fundamental para os jovens, como foi anteriormente assinalado. Cumpre-se, com a posse de uma carteira de trabalho assinada, quase que um rito de passagem para a vida adulta. Eles desejam, sobretudo, se orgulharem do que fazem, não apenas eles, mas que a sua família e, possivelmente, o seu grupo social se orgulhe deles.
Eles buscam ser socialmente reconhecidos e este reconhecimento, como nos deixam entender, parece estar muito mais associado ao tipo de trabalho realizado, se pesado ou não, se confortável ou não, com registro ou não em carteira, do que à remuneração, propriamente dita, ainda que seja a busca de dinheiro que possa mantê-los e às suas famílias que os levam ao trabalho ainda precocemente. O trabalho pesado é assumido na falta de outro melhor.
Esse povo que trabalha em sacolão, supermercado, lava jato... E na obra é o seguinte: eles preferem está trabalhando, pegando pesado do quê ficar roubando e matando. É trabalho puxado. Eu não queria isso para mim, né? Mas se não tivesse outra coisa ficaria lá até arrumar outra coisa (P., 17 anos)
Ao se referirem ao trabalho da construção civil ou a outros que exigem esforço físico semelhante, eles lembram que é um trabalho pesado, mas é isto ou a marginalidade. Pode-se depreender de tais observações do jovem que eles têm a exata noção de onde se localizam socialmente e, no caso, na fronteira da marginalidade. E atravessar esta fronteira é algo tão possível quanto fácil. A obra é “trabalho puxado”. Eles não descartam, todavia, o trabalho na obra, e se dizem dispostos a enfrentar o trabalho pesado, como uma alternativa honesta de se ganhar a vida, ou para não cair na vida marginal, mas, tão logo seja possível, buscarão trabalho melhor que, no entendimento deles, está reservado aos “que têm dinheiro”.
As melhores oportunidades sempre ficam com os que têm mais dinheiro. Os pobres ficam com o que resta. Aí, quem não consegue tenta, tenta emprego e não consegue acaba aceitando bico para trabalhar na obra ou no sacolão (D., 17 anos).
As oportunidades são para quem tem mais dinheiro, eles reconhecem, se referindo, possivelmente aos jovens das classes médias, médias altas ou mesmo ricos. As possibilidades de escolha, eles sabem, não são muitas e nem todos têm a chance de escolher.
... tipo, tem gente que não pode escolher, que senão a família fica na mão...ai...ele tem que pegar o que aparece. Tipo, mesmo que ele não goste, mas precisa trabalhar. (J.,17 anos)
É muito jovem para pouco trabalho. Assim, alguns farão o trabalho “bom”, os que “tem mais dinheiro” e os demais, os mais pobres, “vão pegar o trabalho puxado”.
O problema é que tem muito jovem e não tem trabalho bom para todos. Alguns vão pegar trabalho puxado. (P. 17 anos)
          
            Os depoimentos dos demais jovens entrevistados seguem a mesma direção.

5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da pesquisa os jovens deixam transparecer as expectativas que têm em relação ao mundo do trabalho, uma expectativa reconhecidamente restrita a jovens pobres, bem com as atividades, mais leves e menos arriscadas, que acreditam encontrar neste mesmo mundo.
O escritório e as atividades nele realizadas (leves, limpas, sem riscos e socialmente reconhecidas) se opõem, no imaginário dos jovens, ao canteiro de obras, onde predominam as tarefas pesadas, arriscadas, as extensas e fatigantes jornadas de trabalho nada reconhecidas pela família ou pela sociedade, e é o caminho que eles apontam a ser tomado na busca precoce do primeiro emprego.
Essas observações reafirmam o que nos apontam Costa e Cockell (2014) em suas pesquisas, para quem o setor da construção civil representa, ainda, a grande divisão de classes marcada por relações hierarquizadas e profundamente separadas que caracteriza a sociedade brasileira.
As atividades de escritório, todavia, podem não ser tão leves, tão profissionalmente realizadoras e nem tão reconhecidas socialmente como imaginam. Possivelmente o desejo de se afastar do canteiro de obras os ajude a idealizar uma imagem dos escritórios e das atividades nele desenvolvidas.
A se considerar os depoimentos dos entrevistados, os jovens que se dirigem aos canteiros de obras assim o fazem não por escolha, mas pela ausência dela ou a impossibilidade de tomar outro caminho. Como bem assinala Frigotto (2005), um crescente número de jovens participa de trabalhos ou atividades de diferentes tipos como forma de ajudar seus pais a compor a renda familiar. Não se trata, portanto, de uma escolha, mas de uma imposição de uma cultura capitalista, que produz e reproduz desigualdades.
Chama-nos atenção o fato de os jovens visarem no mundo do trabalho um emprego, possivelmente o de um “faz tudo” no escritório, sem determinarem exatamente o que fariam exceto o que não querem fazer: trabalhos duros e ariscados como os da construção civil. Eles não se referem a uma qualificação que deles seria exigida para ocupar este emprego. Eles não se referem a ter um ofício como meio de possuírem saberes e saber-fazer, uma identidade profissional, de se localizarem na sociedade e nela serem reconhecidos como profissionais. Mas como pensar em ofício se a educação escolar que recebem não os prepara para o trabalho, para ter um ofício? O canteiro de obras que eles procuram dele escapar é o lugar onde se encontram trabalhadores de diversos ofícios, mas o acesso a estes ofícios de modo geral não passa pela escola, pela formação profissional e sim pela “lata de massa em sol quente”.

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* Doutor em Sociologia pela Université Paris VII - Denis Diderot e pós Doutor FAFICH - UFMG. Professor Titular do Departamento de Engenharia Elétrica e do Mestrado em Educação Tecnológica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. e-mail: tomasi@uai.com.br. Endereço para correspondência: Alameda dos Buritizeiros, 65. Nova Lima, Minas Gerais, Brasil. CEP 34004-718
** Mestranda em Educação Tecnológica no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais. E-mail: saralopesfonseca@yahoo.com.br. Endereço para correspondência: Rua Frei Tito, 21, Bairro Goiânia, Belo Horizonte, Minas Gerais. Brasil.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Antônio de Pádua Nunes Tomasi y Sara Lopes Fonseca (2017): “Eles não querem carregar lata de massa em sol quente. E por que haveriam de querer?”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (abril-junio 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/02/juventude.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1702juventude


[1] Para discussão mais aprofundada sobre a relação do aumento da escolaridade e desemprego ver BRAVERMAN, Harry. Nota final sobre qualificação. In: Trabalho e Capital Monopolista: a degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A, 1974, p.359-379.
[2] Esta parece ter sido a tendência do mercado brasileiro, excetuando-se alguns períodos como o vivido no segundo mandato do governo Lula e primeiro mandato do governo seguinte.

[3] “Isso explica porque, em alguns canteiros, mestres de obras mais experientes recebem salários maiores do que os dos próprios engenheiros” (GOELLI, 2011, p.1).
[4] DUBET, François. Comment devient-on ouvrier? Autrement. Ouvriers, ouvrières. Un continent morcelée et silencieux. Paris: Éditions Autrement, 1992. p. 136-144. (Série Mutations, n. 126)

[5] Como efeito disso, cada país tem sua delimitação de idade para a juventude. No Japão é até os 35 anos, na França de 16 a 24 anos, na Itália de 14 a 32 anos etc. (POCHMANN, 1998; SOUZA e PAIVA, 2012)