Antônio de Pádua Nunes Tomasi
Jornal O Tempo. Caderno Opinião. p.9. (12/6/2000)
Jornal O Tempo. Caderno Opinião. p.9. (12/6/2000)
As transformações no mundo do trabalho que caracterizam o final do
século têm dado a muitos a certeza do fim do emprego. O trabalho continua,
apregoam, mas o emprego acabou. Mais do que uma frase da moda, ela expressa uma
ruptura no regime de trabalho, uma transformação na estrutura social onde se
inscrevem, os sistemas produtivos (gestão do trabalho e da mão-de-obra:
contratos, remuneração, postos de trabalho, funções...), e os formativos
(formação, processos de aprendizagem, qualificação, experiência...).
Antes que a "certeza", por força da repetição, se torne verdade, pergunta-se: o fim do emprego é uma decorrência das transformações ocorridas no mundo do trabalho ou, ao contrário, se constitui apenas em um elemento que as favorece? (em um elemento a mais na luta entre capital e trabalho e a serviço do primeiro?) Em outras palavras, por que uma relação de trabalho, até há pouco tempo estável, muda? Que fatores constitutivos das transformações apontam para o fim do emprego? Que papel ocupa o desemprego no estabelecimento das novas relações de trabalho? Afinal, a que interesses o fim do emprego atende?
Aparentemente, a estabilidade das relações de trabalho sucumbiu às mudanças no modo de gestão demandadas por um mercado em expansão e em transformação (alargamento das fronteiras comerciais, mudança do perfil do consumidor, aumento da competividade...). Logo, qualidade, produtividade, redução dos custos de produção, cumprimento de prazos, tornaram-se fatores essenciais para as empresas. A flexibilização dos processos produtivos, inclusive das relações de trabalho, tem sido apontada como a forma de a empresa se manter no mercado e nele ampliar a sua presença. O taylorismo cede lugar aos novos modelos organizacionais. O operário cede lugar ao "novo artesão". O trabalhador passivo, ao trabalhador ativo. O assalariado ao trabalhador autônomo. O salário à remuneração personalizada. Os quadros efetivos de trabalhadores cedem lugar aos terceirizados. Finalmente, mão-de-obra exteriorizada e desempregada se confundem. O desemprego parece ser cada vez menos o antônimo de emprego e cada vez mais o sinônimo de novo modo de gestão da mão-de-obra.
Se voltarmos no tempo, veremos que o ingresso do trabalhador na condição assalariada, sobretudo do artesão, representava uma perda do seu saber e da sua autonomia. Perdas que se aprofundaram no auge do taylorismo e que agora são reclamadas pelos novos modelos de organização do trabalho. Contrário ao que ainda se imagina, elas foram motivadas pelos interesses do capital em controlar a mão-de-obra, em estabelecer uma disciplina, um comportamento operário adequado ao novo modo de produção, e não ao advento das fábricas ou ao desenvolvimento da maquinaria (A.Gorz,1973). A passagem do artesanato ao trabalho assalariado foi acompanhada, inicialmente, pela resistência dos trabalhadores às perdas e, em seguida, pelas reivindicações de melhores condições de trabalho (fixação da jornada de trabalho, salário, férias, repouso remunerado, piso salarial...), condições intrínsecas à forma assalariada de gestão do trabalho e da mão-de-obra.
A
terceirização, o trabalho autônomo, o artesanato (referência de competência e
de comportamento do trabalhador ou de modo de gestão), diferente do que se pode
pensar, não resgatam a autonomia e o saber, de outrora: os tempos e os
trabalhadores não são os mesmos. Mas tornam em vão muitas das lutas dos
assalariados e dos seus ganhos nos últimos dois séculos. Para o trabalhador, é
um começar de novo. Assim, a "certeza" segundo a qual, o trabalho
continua, mas o emprego acabou, parece se referir muito mais a uma readequação
da mão-de-obra aos interesses do capital do que a uma transformação no mundo do
trabalho.
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