Antônio de Pádua Nunes Tomasi
Jornal O Tempo. Caderno Opinião, p.11 (25/8/00).
Jornal O Tempo. Caderno Opinião, p.11 (25/8/00).
Entre
os muitos e importantes elementos inerentes aos sistemas de produção e de
formação, destacam-se, respectivamente, a qualificação e a escolarização. Se é
íntima a relação entre eles, tomá-los como sinônimo, como acontece com certa
freqüência, pode ser um grave equívoco. Se considerados os discursos
provenientes de variadas fontes e, sobretudo, as intervenções e as práticas
que, por vezes, explicitam as políticas públicas relativas a esses sistemas,
parece não haver uma compreensão do que sejam eles e, muito menos, como se
constituem e por que se diferenciam. Não raro, ouvimos que falta, à nossa
mão-de-obra qualificação para responder adequadamente às demandas do
desenvolvimento econômico ou do que se convencionou chamar de
"reestruturação produtiva". Da mesma forma, aponta-se a baixa
escolaridade dessa mão-de-obra incapaz de fazer frente às demandas. Não é de se
duvidar que tanto uma como outra observação estejam corretas. Diferente disso,
todavia, é acreditar que se constituem um mesmo problema.
Assim, contextualizadas as iniciativas governamentais, pergunta-se: os investimentos públicos destinados atualmente aos programas de qualificação não seriam mais bem empregados se aplicados na escola?
Embora, nas crises econômicas, possamos detectar com facilidade problemas pertinentes à mão-de-obra e desenvolver programas que também superem dificuldades, tarefa mais difícil, mas não menos importante, parece se encontrar no plano teórico-conceitual, sobretudo, no que diz respeito à qualificação.
Ao longo dos últimos 50 anos, a noção de qualificação tem evoluído. As capacidades requeridas pelo posto de trabalho, o saber e o saber-fazer, que a definiam, se reconstroem à luz das particularidades do indivíduo, da originalidade, da trajetória profissional, das capacidades, das potencialidades... Destacam-se, contudo, no processo evolutivo, a formação na escola ou formação inicial, profissionalizante ou não, diferenciada pelo tempo, pela qualidade e pelos conhecimentos adquiridos, e a formação no trabalho, igualmente diferenciada pelo tempo, pela qualidade e pela diversidade da experiência vivida. Sabe-se que tanto uma quanto outra se mostram fundamentais para a qualificação do trabalhador que não pode ser entendida apenas a partir de uma delas.
Graças à Sociologia do Trabalho, sabe-se que quanto mais tempo o jovem permanece na escola, guardadas as especificidades do processo de formação, menos tempo será gasto na sua qualificação, e, ainda, mais elevada ela pode ser. Tal constatação identifica a escolarização, a exemplo de outros elementos, como constitutiva da qualificação. E, embora elas possam compartilhar uma certa intimidade, não são a mesma coisa, e implicam problemas e tratamentos diferentes.
Portanto,
se investir na escola é uma forma de garantir a futura qualificação dos jovens,
é estranho constatarmos, retomando a nossa questão, que, enquanto alunos e
professores das escolas públicas do ensino fundamental convivem com a
precariedade ou mesmo com o anti-ensino, motivados, sobretudo, pela falta de
recursos, grandes somas são dispendidas em programas de qualificação. Estamos,
então, formando mal os nossos jovens, abreviando a sua formação escolar, para
depois compensá-los com programas de qualificação? O que parece configurar
descobrir um santo para cobrir outro, pode ser ainda pior, descobrir os dois e
pagar caro um grande equívoco.
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