Antônio de Pádua Nunes Tomasi
Jornal O Tempo. 1°Caderno Opinião, p. 9 (07/6/2000)
Jornal O Tempo. 1°Caderno Opinião, p. 9 (07/6/2000)
A tolerância é um
elemento de civilidade construído socialmente. Ela é constitutiva das relações
humanas, sociais e políticas e pode ser considerada um indicador de democracia.
Isso porque permite que aflorem as diferenças e os diferentes, que sejam
expressos modos de pensar, de agir e de sentir, de indivíduos ou de grupos. Se
a tolerância deve ter limite, e é bom que tenha, a tolerância zero, se
constitui na negação de qualquer possibilidade que diferentes e diferenças se
expressem. E compreendê-los, no lugar de simplesmente eliminá-los, pode ser uma
forma de compreendermos a própria sociedade e o seu modo de se produzir. E,
assim, se eles podem representar uma ameaça à democracia, certamente a
tolerância zero é a própria ausência de democracia.
Se a tolerância é real, materializada na aceitação do outro (do diferente) e da sua forma de se mostrar (a diferença), ela é também relativa porque depende de valores, de um julgamento social. Em outras palavras, como identificar o tolerante entre a criança de rua que rouba e o cidadão roubado? Se relativa, ela não é unilateral. Afinal, somos nós que toleramos os nossos vizinhos, os nossos filhos, os nossos patrões, os nossos empregados, ou seriam eles que nos toleram? Que valores, então, definem a tolerância?
A proposta de tolerância zero para as manifestações grevistas, forma de controle das manifestações legítimas dos trabalhadores, parece tão-somente procurar calar vozes e apagar histórias destoantes sem ao menos procurar entender o que têm a dizer.
Se a referida proposta nos parece inaceitável, melhor que negá-la é procurar entendê-la como um elemento analisador de um determinado momento histórico. Assim, é interessante notar que ao mesmo tempo em que se propõe a tolerância zero para as manifestações grevistas, o que pode ser entendido como um enrijecimento das relações sociais e políticas, implementa-se a flexibilização das relações do trabalho.
Enfim, de um lado, a palavra de ordem é enrijecer, de outro, flexibilizar. Flexibilizar o que diz respeito aos interesses do capital e enrijecer o que diz respeito aos interesses do trabalhador. De um lado, eliminam-se postos de trabalho, terceirizam-se atividades, joga-se um número cada vez maior de trabalhadores no desemprego e na informalidade, de outro, pratica-se a tolerância zero para as manifestações de descontentamento dos mesmos trabalhadores.
Dois pesos e duas medidas constroem uma lógica perversa que conspira contra o trabalhador. Senão, vejamos: não se propõe tolerância zero para a corrupção, para a impunidade, para a concentração de renda, para os baixos salários, para o desemprego, para a violência, entre tantos males que flagelam a nossa sociedade.
A proposta de
tolerância zero é unilateral e precisa na sua intenção e no seu objetivo. Ela
visa o trabalhador, expropria os seus direitos fundamentais, deteriora as
relações de trabalho. Não percebem os que assim desejam que, diferente do que
imaginam, é o exercício da tolerância que aprimora as relações sociais,
humaniza, desenvolve o respeito e constrói a cidadania.
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