Antônio de Pádua Nunes Tomasi
Jornal O
Tempo. Caderno Economia, p.8, (30/7/00)
A
atual crise econômica brasileira se mostra mais nitidamente nos problemas
vividos pelo setor produtivo e pelo mercado de trabalho e seus elevados índices
de desemprego. Independentemente de como a crise se instalou ou tem evoluído, a
qualificação da mão-de-obra tem sido apontada como a solução tanto de um como
de outro problema. Acredita-se que qualificados, os trabalhadores estarão aptos
a atender as demandas atuais do mercado e a pleitear um emprego, ou a produzir
renda. Confere-se à qualificação um poder quase mágico para resolver os
problemas. Apoiada nessa crença, uma indústria de cursos e diplomas parece
instalada no País. E, com ela, muito dinheiro tem sido gasto. Dinheiro público.
Dinheiro do trabalhador. Qualifica-se qualquer um, em qualquer coisa. A palavra
de ordem é qualificar.
Mas, afinal, é a qualificação que oportuniza o bom desempenho do trabalhador, o emprego, a produção de renda ou, ao contrário, é o emprego, o exercício de uma atividade de trabalho que oportunizam a qualificação?
Face à questão e aos interesses e recursos que ela envolve, melhor seria termos claro, de imediato, o entendimento que se tem de qualificação. Até algum tempo atrás, muitos dos programas de qualificação, mesmo que subsidiados pelo Estado eram desenvolvidos e assumidos por empresas ou instituições patronais, segundo seus interesses, e dirigidos aos assalariados. Hoje, ao lado dessas iniciativas, o Estado sobressai assumindo publicamente a qualificação. Através de inúmeras e diferentes instituições, desenvolve e implementa programas destinados, em grande parte, aos desempregados e segundo os interesses de um hipotético empregador ou de um mercado de trabalho. Estende-se, portanto, ao Estado a iniciativa de qualificar; e ao desempregado, as ações de qualificação. E, ainda, ao mercado de trabalho imaginário, o atendimento dos seus interesses.
De certo, tais iniciativas de alguma coisa valerão ao trabalhador. Diferente disto, entretanto, é uma avaliação positiva dos referidos programas. No caso, ela só se explicaria por uma noção distorcida de qualificação. Senão vejamos: antes, o emprego, ou as atividades de trabalho no interior da empresa a ensejavam. A formação inicial adquirida na escola e a experiência de trabalho na empresa qualificavam o trabalhador. A qualificação se definia pelo saber e pelo saber-fazer. Nos programas atuais, gestados pelo Estado, a qualificação se define, muito mais, pela certificação, pelo diploma, por um saber limitado a normas, a princípios, a orientações, e obtido, muitas vezes, em cursos de duvidosa qualidade e de duração, possivelmente, insuficiente. Eles são completamente desvinculados da experiência. A possibilidade de o trabalhador desempregado de exercer os saberes adquiridos quase inexiste. Pior, eles tendem a se perder no desemprego. E desemprego é, aqui, sinônimo de desqualificação. Cabem aos diplomas, vazios de saber-fazer, a abertura das portas do mercado de trabalho. Paradoxalmente, isto ocorre exatamente no momento em que o saber-fazer vem ganhando uma importância cada vez maior nos meios empresariais. O saber tem sofrido recortes (saber-fazer, saber-ser, etc.) definidos pela experiência e entendidos à luz das demandas que se convencionou chamar de competências, quando, enfim, a organização ganhou status de qualificante.
Distorce-se a noção de qualificação, mas a realidade que lhe dá sentido reclama: qualificar para quê?
Nenhum comentário:
Postar um comentário