Antônio Tomasi
Muito embora o título
deste texto possa levantar expectativas de uma discussão aprofundada da relação
entre os temas apontados, adverte-se, desde já, que a evolução rápida dos
acontecimentos atuais parece aconselhar tão somente uma ligeira discussão sobre
o que se deixa mostrar, ainda que timidamente, como um dos efeitos colaterais
do combate à pandemia COVID-19, e aconselhar ainda, que uma reflexão e análise mais
afinada dos objetos de estudos que emergem do combate sejam feitas quando dados
novos e mais precisos, tempo e condições necessárias, permitam um tratamento
empírico adequado.
Os impactos da COVID-19
e as reações das sociedades a ele, e não apenas a brasileira, têm se
evidenciado no campo da saúde e na reação das instituições e de profissionais
direta ou indiretamente a ele relacionados e empenhados no combate ao vírus e à
preservação da vida das pessoas. O campo da economia e a reação de instituições
e de profissionais preocupados com a preservação das empresas, do consumo e dos
empregos tem merecido, também, importante destaque nos meios de comunicação,
que reverberam as preocupações de ambos os campos. Aos poucos, todavia, parece
se consolidar um consenso, amplamente disposto na imprensa, que tornam públicos
os entendimentos de autoridades, de que as medidas para proteger a vida não se
opõem às de proteção dos empregos e das empresas e de que o impacto da COVID-19
nas sociedades, pela virulência constatada do vírus, não será algo efêmero e
restrito a estes dois campos.
O impacto parece ser de
tal ordem importante que permite pensar que, passada a pandemia, o mundo não
será mais o mesmo e pode indicar, por exemplo, a necessidade do fortalecimento de
sistemas públicos de saúde e de assistência social e de políticas econômicas e sociais de melhor distribuição de
renda. Seguramente outros campos ganharão relevância no debate nacional e
internacional em substituição, pelo menos em parte, aos dois primeiros. À medida
que a pandemia avança o pronunciamento de autoridades, de cidadãos e cidadãs e
de atores os mais diversos deixam transparecer que mudanças, sejam elas nos
planos político, humano, social e da gestão pública ou privada, estão dando mostras
de sua necessidade e de sua contribuição para construir novos pensamentos e
valores, conformar novos comportamentos e balizar os anos que virão. O campo da
educação, ainda que não tenha tido até o momento a mesma relevância no debate
nacional e internacional e isto por motivos óbvios, vive certa efervescência a
partir de debates, até o momento pouco ressonantes, e de entendimentos
diferentes e mesmo conflitantes entre professores, pais, alunos, dentre eles
crianças, e instituições públicas e particulares de ensino, confrontadas a
interesses diversos e às novas conformações impostas pelas instituições
escolares, constrangidas pela pandemia, às práticas pedagógicas e à sua gestão.
A reação a COVID-19,
vale registrar, reflete, em grande medida, formações políticas, ideológicas e
mesmo religiosas diferentes, em meio a tantos outros vieses que interferem e
atuam no comportamento humano, social e suas relações. No que diz respeito à
educação e à escola, seja de professores, alunos, pais de alunos ou de pertencentes
a outros segmentos da sociedade, isto não é diferente.
Não é de se estranhar
que, no embate das ideias, o problema seja simplificado tanto no plano teórico quanto
no prático e exposto de forma polarizada. É bom lembrar que o tempo é de
polarização, muito especialmente no Brasil. No caso dos professores e não
apenas dos brasileiros, podemos constatar que, confrontados à quarentena ou ao
distanciamento social como forma de combate a COVID-19, conflitam os que defendem
que as aulas presenciais sejam substituídas por aulas remotas, que não são a
mesma coisa de Educação a Distância (EAD), pelo tempo que dure o distanciamento, e os que são contrários a essa substituição.
Não se propõe, aqui, discutir
os argumentos de uns, nem de outros, ainda que devam ser registradas as
implicações para a qualidade do ensino e a produção do conhecimento, para as
relações sociais, humanas e de trabalho, muito especialmente, e para as
questionáveis condições de aprendizagem submetidas a um ensino baseado em aulas
remotas.
Estes e tantos outros
elementos que emergem dessa nova conformação do ensino exigem e merecem
refletida e respeitosa atenção, mesmo porque, infelizmente, os recentes
acontecimentos e pareceres de cientistas sugiram estarmos longe do fim do
isolamento social, pelo menos no Brasil e sobretudo o dos idosos. O que chama atenção no debate é que ambas as posições não apresentam argumentos que apontem
para um questionamento da escola ou, de forma mais ampla, da educação, que o
momento em que vivemos coloca em relevância, como de resto as relações sociais,
humanas e toda a vida durante a após a pandemia. Na verdade, os argumentos, parecem
muito mais reforça-las na forma como, há séculos, a educação e a escola, se definiram
e se estabeleceram como tais, indo frequentemente de encontro a muitos dos mais
caros valores e conquistas humanas e sociais, que conferem protagonismo aos
indivíduos no seu processo de educação e de formação e aos inúmeros trabalhos e
pesquisas de reconhecidos pensadores, filósofos, educadores e outros
profissionais ao longo dos séculos, que têm essas temáticas como objetos de reflexão
e pesquisa. Por vezes, é de se pensar que todo esse esforço devotado à causa da
educação, de nada ou de muito pouco tem servido à educação, aos seus
profissionais do magistério e aos pais e alunos. Como que alheios a ele, ambas
as posições se mostram engajadas num embate que, no fundo, assegura que tudo continue
como sempre, ou seja, que tudo volte a ser o que era quando a pandemia passar. Testemunha
o tempo que embates desta natureza, premidos pela urgência demandada pelos
fatos, ao se deixarem conduzir pela urgência, acabam, irrefletidamente, por fortalecer
uma já profunda ruptura no nosso pensamento, que nos distancia cada vez mais do
pensar a educação e de praticá-la como cidadãos e muito especialmente como
professores que somos.
O que estamos
discutindo, tantos uns como outros, é se suspendemos as atividades do
magistério e esperamos que o caminho se torne mais seguro diante da noite que
cai ou se nos adaptamos à escuridão da noite e continuamos a viagem. Em nenhum
momento nem uns, nem outros questionam o caminho que temos seguido até então. Nós
nos sentimos de tal sorte tão bem acomodados e conformados a ele que
naturalizamos os solavancos que torturam os nossos corpos e mentes ao segui-lo
por anos a fio. Está ruim, mas está bom. É como se outros caminhos não pudessem
ser pensados, e como não podem ser pensados, não podem existir e, portanto, não
podem ser nominados e muito menos construídos. É possível que a COVID-19 não
seja a noite que cai, mas uma dolorosa luz que nasce e arde em nossos olhos, clareando
a escuridão em que vivemos. Talvez esteja ela nos dando a grande oportunidade
de abandonarmos o caminho de sempre e de pensarmos outro, de abandonarmos o
conforto que nos anestesia na dor quotidiana do magistério. É possível que não
apenas a COVID-19, mas nós mesmos, professores, pais, alunos e o conjunto da sociedade
estejamos apontando, ainda que desapercebidamente, para a necessidade da construção
de caminhos novos. Na verdade, nem tão novos, porque muitos, antes de nós, muitos já os
pensaram e colocaram em nossas mãos a régua e o compasso. Cabe a nós
aproveitarmos a quarentena, a pós-quarentena e o futuro que nos aguarda para
construí-los. Mãos à obra.
Tomazi, concordo plenamente. Sair da zona de conforto, ainda que nem confortável, é sempre um desafio. Mas, que o acontecimento seja essa boa oportunidade!
ResponderExcluirSim, sair da zona de conforto é um grande desafio, mas permanecer nela não é o caminho.
ExcluirEstimado Professor, obrigado pelo pensamento.
ResponderExcluirA necessidade de "mudança" é mais uma vez, um momento inseguro que a Educação passa neste momento com a CV-19. Por um lado, uns em uma escola pública estadual/municipal que mantém o seu dia a dia perene, deste o século XIX, com o que é hoje, para estes, isto está "tudo bem". Para outros, o fato de que uma "mudança" possa tirá-lo de um “certo” cômodo/conforto e segurança existente até então, possa trazer um certo “medo”, esta mudança. O fato é que se já existisse antes uma consciência maior construída, de que a escola e mais que um simples local de convivência e atividades, hoje a Educação poderia estar melhor preparada para passar por momentos como estes da CV-19, caso esta Educação não fosse o que é; o lugar usado para ensinar e aprender as tarefas e não o que deveria ser, um lugar para transformar alunos em pessoas para uma sociedade melhor. (abraços!..)
Eu é que agradeço a você pelos comentários. Grande abraço e obrigado.
ExcluirCaro professor Dr. Tomasi.
ResponderExcluirSua reflexão, vem em momento tão oportuno que permite-nos repensar no modo pelo qual a educação tem sido gerida, em especial no Brasil.
Nestes momentos, o pensamento de que o processo educacional tem se distanciado daquilo que chamamos de “ideal”, e que as divergências de ideias, não parecem vislumbrar o avanço da educação que tanto sonhamos, mas sim, uma disputa necessária, para se manter vivo o debate infinito de correntes opostas, porém com reduzida efetividade.
Acreditar na educação é reconhecer que o futuro depende dela, não para criarmos somente um grupo de intelectuais, mas uma sociedade consciente e menos “conformada” com o rumo a que está sendo submetida, todos os dias.
Obrigada Toninho querido. Gostei muito. E você ao final otimista, como sempre. Grande abraço, até breve.Saudades. Vou passar pro Chico.
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