sábado, 25 de abril de 2020

A EDUCAÇÃO, A ESCOLA, OS PROFESSORES E A COVID-19

Antônio Tomasi

Muito embora o título deste texto possa levantar expectativas de uma discussão aprofundada da relação entre os temas apontados, adverte-se, desde já, que a evolução rápida dos acontecimentos atuais parece aconselhar tão somente uma ligeira discussão sobre o que se deixa mostrar, ainda que timidamente, como um dos efeitos colaterais do combate à pandemia COVID-19, e aconselhar ainda, que uma reflexão e análise mais afinada dos objetos de estudos que emergem do combate sejam feitas quando dados novos e mais precisos, tempo e condições necessárias, permitam um tratamento empírico adequado.  

Os impactos da COVID-19 e as reações das sociedades a ele, e não apenas a brasileira, têm se evidenciado no campo da saúde e na reação das instituições e de profissionais direta ou indiretamente a ele relacionados e empenhados no combate ao vírus e à preservação da vida das pessoas. O campo da economia e a reação de instituições e de profissionais preocupados com a preservação das empresas, do consumo e dos empregos tem merecido, também, importante destaque nos meios de comunicação, que reverberam as preocupações de ambos os campos. Aos poucos, todavia, parece se consolidar um consenso, amplamente disposto na imprensa, que tornam públicos os entendimentos de autoridades, de que as medidas para proteger a vida não se opõem às de proteção dos empregos e das empresas e de que o impacto da COVID-19 nas sociedades, pela virulência constatada do vírus, não será algo efêmero e restrito a estes dois campos.

O impacto parece ser de tal ordem importante que permite pensar que, passada a pandemia, o mundo não será mais o mesmo e pode indicar, por exemplo, a necessidade do fortalecimento de sistemas públicos de saúde e de assistência social e de políticas econômicas e sociais de melhor distribuição de renda. Seguramente outros campos ganharão relevância no debate nacional e internacional em substituição, pelo menos em parte, aos dois primeiros. À medida que a pandemia avança o pronunciamento de autoridades, de cidadãos e cidadãs e de atores os mais diversos deixam transparecer que mudanças, sejam elas nos planos político, humano, social e da gestão pública ou privada, estão dando mostras de sua necessidade e de sua contribuição para construir novos pensamentos e valores, conformar novos comportamentos e balizar os anos que virão. O campo da educação, ainda que não tenha tido até o momento a mesma relevância no debate nacional e internacional e isto por motivos óbvios, vive certa efervescência a partir de debates, até o momento pouco ressonantes, e de entendimentos diferentes e mesmo conflitantes entre professores, pais, alunos, dentre eles crianças, e instituições públicas e particulares de ensino, confrontadas a interesses diversos e às novas conformações impostas pelas instituições escolares, constrangidas pela pandemia, às práticas pedagógicas e à sua gestão.

A reação a COVID-19, vale registrar, reflete, em grande medida, formações políticas, ideológicas e mesmo religiosas diferentes, em meio a tantos outros vieses que interferem e atuam no comportamento humano, social e suas relações. No que diz respeito à educação e à escola, seja de professores, alunos, pais de alunos ou de pertencentes a outros segmentos da sociedade, isto não é diferente.

Não é de se estranhar que, no embate das ideias, o problema seja simplificado tanto no plano teórico quanto no prático e exposto de forma polarizada. É bom lembrar que o tempo é de polarização, muito especialmente no Brasil. No caso dos professores e não apenas dos brasileiros, podemos constatar que, confrontados à quarentena ou ao distanciamento social como forma de combate a COVID-19, conflitam os que defendem que as aulas presenciais sejam substituídas por aulas remotas, que não são a mesma coisa de Educação a Distância (EAD), pelo tempo que dure o distanciamento, e os que são contrários a essa substituição.

Não se propõe, aqui, discutir os argumentos de uns, nem de outros, ainda que devam ser registradas as implicações para a qualidade do ensino e a produção do conhecimento, para as relações sociais, humanas e de trabalho, muito especialmente, e para as questionáveis condições de aprendizagem submetidas a um ensino baseado em aulas remotas.

Estes e tantos outros elementos que emergem dessa nova conformação do ensino exigem e merecem refletida e respeitosa atenção, mesmo porque, infelizmente, os recentes acontecimentos e pareceres de cientistas sugiram estarmos longe do fim do isolamento social, pelo menos no Brasil e sobretudo o dos idosos. O que chama atenção no debate é que ambas as posições não apresentam argumentos que apontem para um questionamento da escola ou, de forma mais ampla, da educação, que o momento em que vivemos coloca em relevância, como de resto as relações sociais, humanas e toda a vida durante a após a pandemia. Na verdade, os argumentos, parecem muito mais reforça-las na forma como, há séculos, a educação e a escola, se definiram e se estabeleceram como tais, indo frequentemente de encontro a muitos dos mais caros valores e conquistas humanas e sociais, que conferem protagonismo aos indivíduos no seu processo de educação e de formação e aos inúmeros trabalhos e pesquisas de reconhecidos pensadores, filósofos, educadores e outros profissionais ao longo dos séculos, que têm essas temáticas como objetos de reflexão e pesquisa. Por vezes, é de se pensar que todo esse esforço devotado à causa da educação, de nada ou de muito pouco tem servido à educação, aos seus profissionais do magistério e aos pais e alunos. Como que alheios a ele, ambas as posições se mostram engajadas num embate que, no fundo, assegura que tudo continue como sempre, ou seja, que tudo volte a ser o que era quando a pandemia passar. Testemunha o tempo que embates desta natureza, premidos pela urgência demandada pelos fatos, ao se deixarem conduzir pela urgência, acabam, irrefletidamente, por fortalecer uma já profunda ruptura no nosso pensamento, que nos distancia cada vez mais do pensar a educação e de praticá-la como cidadãos e muito especialmente como professores que somos.

O que estamos discutindo, tantos uns como outros, é se suspendemos as atividades do magistério e esperamos que o caminho se torne mais seguro diante da noite que cai ou se nos adaptamos à escuridão da noite e continuamos a viagem. Em nenhum momento nem uns, nem outros questionam o caminho que temos seguido até então. Nós nos sentimos de tal sorte tão bem acomodados e conformados a ele que naturalizamos os solavancos que torturam os nossos corpos e mentes ao segui-lo por anos a fio. Está ruim, mas está bom. É como se outros caminhos não pudessem ser pensados, e como não podem ser pensados, não podem existir e, portanto, não podem ser nominados e muito menos construídos. É possível que a COVID-19 não seja a noite que cai, mas uma dolorosa luz que nasce e arde em nossos olhos, clareando a escuridão em que vivemos. Talvez esteja ela nos dando a grande oportunidade de abandonarmos o caminho de sempre e de pensarmos outro, de abandonarmos o conforto que nos anestesia na dor quotidiana do magistério. É possível que não apenas a COVID-19, mas nós mesmos, professores, pais, alunos e o conjunto da sociedade estejamos apontando, ainda que desapercebidamente, para a necessidade da construção de caminhos novos. Na verdade, nem tão novos, porque muitos, antes de nós, muitos já os pensaram e colocaram em nossas mãos a régua e o compasso. Cabe a nós aproveitarmos a quarentena, a pós-quarentena e o futuro que nos aguarda para construí-los. Mãos à obra.   


6 comentários:

  1. Tomazi, concordo plenamente. Sair da zona de conforto, ainda que nem confortável, é sempre um desafio. Mas, que o acontecimento seja essa boa oportunidade!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sim, sair da zona de conforto é um grande desafio, mas permanecer nela não é o caminho.

      Excluir
  2. Estimado Professor, obrigado pelo pensamento.
    A necessidade de "mudança" é mais uma vez, um momento inseguro que a Educação passa neste momento com a CV-19. Por um lado, uns em uma escola pública estadual/municipal que mantém o seu dia a dia perene, deste o século XIX, com o que é hoje, para estes, isto está "tudo bem". Para outros, o fato de que uma "mudança" possa tirá-lo de um “certo” cômodo/conforto e segurança existente até então, possa trazer um certo “medo”, esta mudança. O fato é que se já existisse antes uma consciência maior construída, de que a escola e mais que um simples local de convivência e atividades, hoje a Educação poderia estar melhor preparada para passar por momentos como estes da CV-19, caso esta Educação não fosse o que é; o lugar usado para ensinar e aprender as tarefas e não o que deveria ser, um lugar para transformar alunos em pessoas para uma sociedade melhor. (abraços!..)

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Eu é que agradeço a você pelos comentários. Grande abraço e obrigado.

      Excluir
  3. Caro professor Dr. Tomasi.

    Sua reflexão, vem em momento tão oportuno que permite-nos repensar no modo pelo qual a educação tem sido gerida, em especial no Brasil.
    Nestes momentos, o pensamento de que o processo educacional tem se distanciado daquilo que chamamos de “ideal”, e que as divergências de ideias, não parecem vislumbrar o avanço da educação que tanto sonhamos, mas sim, uma disputa necessária, para se manter vivo o debate infinito de correntes opostas, porém com reduzida efetividade.
    Acreditar na educação é reconhecer que o futuro depende dela, não para criarmos somente um grupo de intelectuais, mas uma sociedade consciente e menos “conformada” com o rumo a que está sendo submetida, todos os dias.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Obrigada Toninho querido. Gostei muito. E você ao final otimista, como sempre. Grande abraço, até breve.Saudades. Vou passar pro Chico.

      Excluir