Autores e información del artículo
Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias
Sociales
ISSN: 1988-7833
Antônio de Pádua Nunes Tomasi*
Sara Lopes Fonseca**
Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas
Gerais, Brasil
tomasi@uai.com.br
Resumo
O
canteiro de obras da construção civil foi ao longo do tempo e em quase todo
mundo uma das poucas oportunidades para muitos jovens pobres e sem qualificação
profissional, oriundos muitas vezes do meio rural, ingressarem no mundo do
trabalho. Cada vez menos, todavia, os jovens parecem atraídos pelos canteiros
de obra, onde os trabalhos pesados, insalubres e de pouco prestígio social
ainda predominam, muito embora as oportunidades se mantenham. Mesmo as mudanças
recentes ocorridas nas grandes construtoras, que incorporaram novas tecnologias
construtivas e organizacionais, inclusive sistemas de produção semelhantes aos
utilizados pelo restante da indústria, não foram suficientes para apagar o
estigma que marca este setor produtivo e atrair os jovens. Assim, se por um
lado o jovem se queixa do desemprego ou da dificuldade para acessar o primeiro
emprego; por outro lado, a construção civil se queixa da carência de mão de
obra, muito especialmente da mão de obra qualificada.
Palavras-chave:
Juventude, Trabalho, Construção Civil, Mão de Obra, Operário
Abstract
The
building sites were construction through centuries the first and almost the
whole world only opportunity for many poor young and unskilled, often coming
from the countryside, entering the world of work. This picture, however, has
changed and fewer young people seem attracted to building sites, where the
heavy work, unhealthy and little social prestige still predominate. Even the
recent changes in the major construction companies that started using production
systems settled in technologies like the rest of the industry were not enough
to erase the stigma that marks this productive sector. The scenario becomes
ambiguous because, on one side the young man cares about unemployment and the
lack of the first job opportunity; on the other hand, it appears the needy
civilian sector of labor, and as a last option of choice and attractive to
young people.
Keywords:
Youth, Civil construction, Labor, workforce
Os jovens operários e a construção civil
Ao longo
do tempo e em quase todo mundo a construção civil sempre contou com uma mão de
obra jovem, pobre, com baixa escolaridade ou mesmo analfabeta, com pouca ou
quase nenhuma qualificação profissional e de origem rural. Para esses jovens a
construção civil e seus canteiros de obras, onde predominam os trabalhos duros
e arriscados, apresentava-se como uma porta de entrada para o mundo do
trabalho, para o mundo urbano, para a inserção e a mobilidade social.
Segundo
Mendez (2013) alguns postos de trabalho, dentre eles destacamos os de ajudante
ou de servente da construção civil, servem de porta de entrada para os jovens
nos canteiros de obras, caracterizando ocupações típicas para a população
jovem. Uma vez que eles adquirem idade e experiência, tendem a migrar para
outros postos de trabalho e abrir espaço para renovar a força de trabalho
jovem. E, ainda, para alguns jovens os canteiros de obras eram apenas uma
passagem para outros setores produtivos, como a indústria ou os serviços, onde
esperavam ser melhor remunerados, mas muito especialmente, acrescentaríamos,
trabalhos menos duros e menos arriscados. Para outros, entretanto, os canteiros
de obras foram uma “escolha” definitiva ou para toda a vida.
Os
últimos, depois de alguns meses mergulhados nos trabalhos como serventes ou
ajudantes, passavam a meio oficial de pedreiro, de carpinteiro ou de armador,
por exemplo, até serem, com o tempo e muito trabalho, qualificados como
oficiais. Dentre estes, alguns se destacavam alcançando os postos de
encarregado e de mestre de obras depois de 15 anos ou mais de trabalho. A construção
civil tornava-se a sua escola (COSTA, TOMASI, 2009) e os canteiros de obras as
salas de aula e laboratórios onde adquiriam saberes, construíam conhecimentos e
se qualificavam. Olhares atentos aos gestos dos colegas, às entrecortadas
mensagens e ordens que organizam os trabalhos de canteiros, eles ensaiavam
mentalmente seus próprios gestos à espera da oportunidade de executá-los. Eles
conduzem, assim, a sua própria formação profissional, qualificam-se no embate
com os empregadores e constroem, para toda a vida, uma carreira profissional na
construção civil. Como nos ensina Naville (1956, 1963), ou seja, para além do
conteúdo do trabalho (FRIEDMANN, 1946, 1950), a qualificação se constrói,
sobretudo, nas negociações tensas entre capital e trabalho.
As relações
de trabalho, a formação e a qualificação profissional dos operários da
construção civil aconteciam, portanto, num contexto muito específico do setor
(TOMASI, 1999) e bem conhecido da academia. Enquanto o mundo da produção e do
trabalho assistiam as revoluções industriais, revigoradas no início do século
XX com o surgimento do taylorismo e décadas depois com o desenvolvimento dos
novos sistemas de produção, também conhecidos por neo-tayloristas, ou seja, a
mais perfeita tradução até então vista da expropriação do controle do processo
de trabalho, da autonomia do trabalhador e de seus saberes, que os acompanhavam
geração após geração, a construção civil parecia alheia a todos estes
acontecimentos, como que protegida pelo seu modo artesanal de fabricação. E
protegida de todos esses acontecimentos ela consumia a força de trabalho de
jovens pobres, analfabetos ou quase, vindos dos campos ou dos mais distantes
rincões do país ou do estrangeiro.
Esse
quadro, entretanto, que retrata uma construção civil bastante artesanal ou
tradicional, como a ela se referem alguns, tem mudado em todo mundo. Tal
mudança se dá, ainda que tardiamente, em ressonância às novas configurações
econômicas mundiais a partir dos anos 1970 (choque do petróleo, predomínio do
capital financeiro em detrimento do capital industrial, globalização da
economia e aumento da competitividade), que passam a exigir do mundo do
trabalho e da produção, rapidez, redução de custos e qualidade. Na construção
civil as exigências se fazem sentir mais intensamente no final do século XX e
são traduzidas nos canteiros de obras pela transferência do controle do
processo de trabalho do operário para a empresa (gestores das obras) e pela
utilização de sistemas de produção semelhantes aos utilizados pelo restante da indústria,
capazes de assegurar um maior controle da obra como um todo (estoque, produção,
tempo, homens etc.) (TOMASI, 1996, 2005). Transferência esta que, na verdade,
já vinha ocorrendo nos demais setores produtivos desde a revolução industrial,
quando artesãos deixam suas oficinas para integrar coletivos de trabalho
submetidos a um mesmo capital (BRAVERMAN, 1974) e de forma mais intensa no
inicio do século passado com o Taylorismo e a partir dos anos 1970, com o
choque do petróleo e as implicações decorrentes, dentre elas o surgimento de
novos sistemas de produção.
A
construção civil, limitada por suas especificidades e heterogeneidade (TOMASI,
1999), procura seguir os mesmos passos do restante dos setores produtivos num
movimento entendido como de industrialização. Não se trata, contudo, de tarefa
fácil.
No
Brasil, características quase que universais da construção civil, muito
especialmente no que diz respeito à mão de obra e ao seu modo de gestão, são
acentuadas e, como vemos a seguir, podem representar obstáculos à
industrialização, pelo menos nos moldes dos demais setores produtivos.
A
construção civil se divide nos subsetores Materiais de Construção, Edificações,
Construção Pesada (DECONCIC/FIESP, 2008) ou de Edificações, Construção Pesada,
Montagem Industrial (SEBRAE-MG, 2005), segundo estes órgãos. Dentre os
referidos setores o de Edificações, destaca-se pelo trabalho operário marcado
pela informalidade e pela instabilidade. A informalidade, pelo seu elevado
contingente de trabalhadores independentes e de assalariados não registrados; a
(alta) instabilidade, pela elevada rotatividade da mão de obra e o caráter
cíclico da atividade em resposta a demandas específicas para cada etapa da
obra. Devido a esta última característica o trabalhador do setor é vulgarmente
conhecido como “peão”, ou seja, aquele que roda, ressalta Costa (2010).
Ainda
segundo Costa (2010), há muitas décadas o setor funciona com formas precárias
de trabalho, formas ilegais de contratação, nas quais as fronteiras entre o
formal e o informal se revelam fluidas. A flexibilização dos contratos e a
precarização do trabalho estão, também, presentes na gestão do trabalho desse
setor, onde predomina trabalhadores com menor qualificação formal e com baixos
salários, reforçando a vulnerabilidade a que estão submetidos.
Este
quadro parece se dever, em grande medida, ao fato da construção civil ser
fortemente influenciada pelos ciclos econômicos: nos momentos de recessão os
salários diminuem rapidamente e no seu ápice os salários sobem de maneira acelerada
(GOELLI, 2011, p.1).
Recentemente
a construção civil brasileira vivenciou um desses ápices econômicos, visível no
aumento da demanda que produziu o “boom” do setor, fruto dos eventos
internacionais como a Copa do Mundo, as Olimpíadas e como o Minha Casa, Minha
Vida e as obras de infraestrutura do Programa de Aceleração do Crescimento
(PAC). O “boom” colocou ainda em evidência dois velhos problemas conhecidos do
setor: a falta de mão de obra e a baixa qualificação desta mesma mão de obra.
Segundo
pesquisa realizada pela Fundação Getúlio Vargas, mesmo diante de mudanças
importantes ocorridas na construção civil nas últimas décadas, a oferta de mão
de obra se apresenta, ainda, como obstáculo, tanto em termos quantitativos como
qualitativos. De acordo com Neri “Apesar de a construção ter se alinhado com
novas tendências trabalhistas aumentando a escolaridade dos seus trabalhadores,
reduzindo a ocupação precoce e a informalidade, há aumento da escassez
trabalhista vis-à-vis os demais setores.” (NERI, 2011, p.7)
Para
Costa e Tomasi (2009) a falta de mão de obra qualificada é uma queixa
recorrente e não recente na construção civil. E, ainda, na concepção de Neri
(2011), referindo-se aos anos recentes que registraram crescimento do setor, a
mão de obra, seja ela qualificada ou não, tem sido o grande obstáculo para a
expansão do setor da construção civil. Por isso, tem-se utilizado o termo
“apagão da mão de obra”.
No ano de
2009, 7,9% das pessoas ocupadas no Brasil eram trabalhadores da construção
civil e dentre estes trabalhadores 97,2% eram do sexo masculino, (NERI, 2011).
Atualmente o setor da construção civil é apontado pela RAIS (2014) como um dos
que apresentam as maiores quedas no número total de empregos formais. Houve um
declínio de 76,9 mil postos de trabalho ou 2,6%. O desempenho negativo do setor
em 2014 pode ser explicado pela queda do emprego formal nas atividades de:
Construção de Edifícios (com menos 13.564 postos de trabalho), Construção de
Obras de Artes Especiais (-4.555) e de Montagem de Instalações Industriais e de
Estruturas Metálicas (-3.723).
É
importante registrar, contudo, que o ciclo econômico brasileiro que favoreceu a
construção civil nos últimos anos dá mostras de esgotamento com as dificuldades
econômicas que marcaram o ano de 2015 e 2016 e que foram acompanhadas por um
aumento dos índices de desemprego com implicações para os operários, deste e de
outros setores, dentre eles os mais jovens à procura do primeiro emprego.
Assim,
sob as novas condições e exigências impostas pelo mercado, os canteiros de
obras passam a demandar trabalhadores mais adaptados ou adaptáveis aos novos
sistemas de produção. Para que o operário da construção possa compreender e
atender a estes novos sistemas e às novas normas técnicas que os acompanham é
exigido dele um maior nível de escolaridade. Ele precisa saber ler, escrever,
interpretar textos, realizar cálculos e, por vezes, interagir com novas
tecnologias, equipamentos e, em alguns casos, com sistemas informatizados para
executar o trabalho que lhe é prescrito. Essas exigências vão muito além das
predominantemente manuais dele exigidas há pouco tempo atrás. Esses outros
saberes adquiridos e conhecimentos construídos nas novas situações de trabalho,
sobretudo nas grandes empresas da construção, constituirão uma nova
qualificação dos trabalhadores, agora descolada do controle do processo de
trabalho que outrora dela fazia parte (TOMASI, 1996). Essa nova qualificação,
assim como tradicionalmente ocorre no setor, continua sendo predominantemente
construída no interior dos canteiros de obras e na situação de trabalho, ainda
que iniciativas de formação profissional fora dos canteiros se mostrem cada vez
mais frequentes e mais observadas entre os operários (TOMASI; FERREIRA, 2013).
A demanda
da construção civil de operários mais escolarizados, não se constitui,
aparentemente, um problema para o setor do ponto de vista do recrutamento e da
seleção de novos trabalhadores visto que, nos últimos 100 anos, observa-se um
aumento em todo mundo da escolaridade da população em geral, incluindo o
operariado, e, entre estes últimos, os operários da construção civil.
Dados da
situação escolar dos jovens brasileiros apontam para um aumento de
oportunidades escolares a partir de 1990. Desde então, a escolaridade média tem
evoluído positivamente. A média de escolaridade para os jovens com idade entre
15 e 24 anos subiu 1,5 anos, entre o ano de 1995 e 2005. A qualidade da
escolaridade, entretanto, não tem acompanhado a quantidade de tempo estudado
(ABRAMO, 2005).
Pochmann (1998) observa que o avanço na escolaridade não foi acompanhado, também, pela elevação no nível de emprego[1] e, ainda, como antídoto ao agravamento do desemprego, os jovens têm dedicado maior tempo à sua formação profissional.
Pochmann (1998) observa que o avanço na escolaridade não foi acompanhado, também, pela elevação no nível de emprego[1] e, ainda, como antídoto ao agravamento do desemprego, os jovens têm dedicado maior tempo à sua formação profissional.
Talvez
possamos dizer que a juventude pobre, comumente associada ao trabalho na
construção civil, que é a que nos interessa neste estudo, tem construído rotas
de fugas em relação ao destino operário e ao pouco reconhecimento e prestígio
social. Pode ser neste sentido, também, que o investimento em estudo e cursos
profissionalizantes atraia os mesmos jovens.
Registre-se,
contudo, que as questões relativas ao trabalho estão entre os principais interesses
dos jovens, tanto os que trabalham, quanto para os que estão à procura de
ocupação. Isto porque o ingresso no mundo do trabalho constitui-se,
tradicionalmente, um dos principais marcos de passagem da condição juvenil para
a vida adulta. Na verdade, trabalho é assunto atraente para população jovem,
independentemente da classe social ou do seu nível de escolaridade (SPÓSITO,
2003).
Além de
ser de seu interesse é, também, visto como o seu principal problema,
especialmente no que diz respeito à falta dele ou o desemprego, indicando que
há uma consciência e uma insegurança frente ao mercado de trabalho (GUIMARÃES,
2005). Esse fato não é de todo estranho, visto o cenário de desemprego ou de
poucas oportunidades que a juventude enfrenta.
Registre-se,
ainda, que os índices de desemprego mais otimistas no Brasil e no mundo tem
mostrado com muita clareza que os jovens, em princípio os que interessam à
construção civil para renovar a sua força de trabalho, tem os índices mais
elevados de desemprego (POCHMANN, 1998). Em outras palavras, o primeiro emprego
é sempre um grande desafio para o jovem.
Vários
autores apontam que os jovens são os que mais sofrem com o desemprego, sendo
considerados como o elo mais fraco do contexto econômico (POCHMANN, 1998;
TELES; FREGULIA e CARVALHO, 2002; SPOSITO, 2003).
O mercado
brasileiro apresenta baixa capacidade de gerar postos de trabalho[2] para o total da população que nele pretende ingressar, bem como de
manter o jovem empregado por muito tempo. A cada 100 jovens que ingressaram no
mercado de trabalho somente 45 encontraram algum tipo de ocupação enquanto 55
ficaram desempregados, conforme estudo de Pochmann (2007). Este quadro de
desemprego completa o estudo, se agrava quando se trata de jovens negros e/ou
de jovens oriundos de famílias com menor renda familiar.
A
escolaridade tem, também, um papel importante para entendermos a relação da
juventude com o trabalho na construção civil. A falta de força de trabalho no
setor, que para Neri (2011) é denominado como o “apagão da mão de obra”, pode
estar acontecendo porque os mais escolarizados não querem os trabalhos pesados
e mal remunerados da construção civil[3]. Os que aceitam os trabalhos de canteiros
de obras podem ser os que de alguma forma foram mal sucedidos na escola. Aliás,
como assinala Dubet (1992)[4] sobre o jovem francês, o fracasso escolar
é o ponto de partida para o jovem tornar-se operário, o que pode não ser muito
diferente do que ocorre entre os nosso jovens.
Vale a
pena, ainda, lembrar a clássica obra de Bourdieu e Passeron (1992) “A
Reprodução: elementos para uma Teoria do Sistema de Ensino” que aponta a íntima
relação entre escola e desigualdade social. Ela aborda essa relação a partir de
uma perspectiva cultural e exterior à escola e nela esta última tem papel de
destaque na reprodução das desigualdades sociais.
Mas
escolaridade e qualificação não são a mesma coisa. Em outras palavras,
trabalhadores escolarizados não são necessariamente qualificados e vice-versa.
Assim, poder-se-ia acreditar que, pelo menos num primeiro momento, a simples
melhoria dos níveis de escolaridade da população não atenderia a construção
civil, que precisa, mais do que isto, ou seja, precisa de uma mão de obra
qualificada. Um olhar mais atento, todavia, nos mostra que se a escolaridade
mais elevada do operariado não atende de pronto a construção civil, ela
atenderia em médio e longo prazo, isto porque, como nos mostra a literatura,
quanto maior o nível de escolaridade do trabalhador mais rapidamente ele se
qualifica, o que significa dizer que para formar um pedreiro ou um mestre de
obras pode ser necessário menos tempo (TOMASI, 1996). Logo, se a construção
civil precisa de trabalhadores mais escolarizados ela os tem à disposição. Se
ela precisa de trabalhadores qualificados ela pode qualifica-los mais
rapidamente. E se os canteiros de obras eram apenas uma porta aberta aos mais
pobres, aos desvalidos da sorte, retirantes à procura de trabalho e de melhores
condições de vida, ele seria hoje um espaço de trabalho como tantos outros dos
demais setores produtivos. Os canteiros de obras seriam, agora, uma porta
aberta aos jovens urbanos, mesmo porque o fenômeno da migração rural faz parte
do passado, uma porta aberta aos mais escolarizados e interessados em construir
uma carreira profissional na construção civil.
Pelo
menos do ponto de vista da gestão dos recursos humanos a construção civil
poderia fazer as mudanças que tenta fazer, acompanhando os demais setores
produtivos, sem grandes problemas. Ledo engano. A partir do final do século
passado a construção civil, inclusive a brasileira, começou a apontar um
problema, qual seja o do envelhecimento da sua mão de obra (TOMASI, 1999). Em
princípio o envelhecimento da mão de obra da construção pode ser entendido como
uma recusa dos jovens a integrar os coletivos de trabalho destinados aos
canteiros de obras da construção civil. Mas o que os levariam a essa recusa?
Ou, colocando de outra forma o problema, o interesse dos jovens pode ter se
deslocado para trabalhos em outros setores produtivos mais atraentes?
Segundo
Neri (2011) em 2009 o total de jovens empregados na construção civil era de
28%, percentual abaixo dos demais setores, cujo percentual é de 31%. Dessa
forma, a construção tem se tornado um setor cada vez “menos jovem” tendo em
vista que em 1996, 34,2% de seus trabalhadores tinham idade entre 15 e 29 anos.
A proporção de jovens trabalhadores vem caindo mais na construção em relação
aos demais setores.
O autor
afirma, ainda, que esse setor emprega pessoas que começaram a trabalhar muito
cedo. Ou seja, a construção é o setor que mais emprega pessoas que iniciaram
precocemente a carreira trabalhista. Mas aos poucos isto também tem mudado. Em
1996 o percentual de pessoas que começaram a trabalhar com até 14 anos de idade
na construção civil era de 71% e em 2009 este número já havia reduzido para
58,7%. Há que se considerar, também, que a legislação impede o trabalho para
pessoas com menos de 16 anos pode ter contribuído muito para essa redução
(BRASIL, 1990).
Outros
fatores, entretanto, podem contribuir para o envelhecimento da mão de obra do
setor. O aumento do tempo de vida da população pode explicar a presença de
trabalhadores mais velhos no trabalho e na medida em que conhecem bem o
trabalho que fazem eles podem ser preferidos pelas empresas no lugar de jovens.
Da mesma forma, a necessidade dos mais velhos de trabalhar para ajudar as famílias, especialmente em países mais pobres ou vivendo altos índices de desemprego, pode, também, explicar sua presença nos canteiros de obras.
Da mesma forma, a necessidade dos mais velhos de trabalhar para ajudar as famílias, especialmente em países mais pobres ou vivendo altos índices de desemprego, pode, também, explicar sua presença nos canteiros de obras.
Para além
de outras explicações, o envelhecimento da mão de obra pode estar, sim,
associado a um desinteresse dos jovens pelos trabalhos de canteiros de obras, o
que obrigaria os construtores a manter por mais tempo os trabalhadores mais
velhos nos canteiros de obras.
Na verdade,
os jovens podem se defrontar a duas situações. Na primeira, muito embora o
setor da construção civil passe pelas mudanças acima lembradas, os trabalhos
duros, arriscados e insalubres persistem, muito especialmente nas pequenas
construtoras.
Costa e Cockell (2014) em estudo com profissionais que já estão no canteiro de obras, observaram que se tornar um profissional da construção não desperta o interesse da maioria deles. As exigências relativas à manipulação de equipamentos pesados e de materiais tais como cimento e areia, além da exposição à inclemência do tempo, de extensas jornadas de trabalho, de risco de acidentes de trabalho e rudeza do trabalho, são fatores que parecem tornar a procura pela carreira na construção civil como algo não desejado.
Costa e Cockell (2014) em estudo com profissionais que já estão no canteiro de obras, observaram que se tornar um profissional da construção não desperta o interesse da maioria deles. As exigências relativas à manipulação de equipamentos pesados e de materiais tais como cimento e areia, além da exposição à inclemência do tempo, de extensas jornadas de trabalho, de risco de acidentes de trabalho e rudeza do trabalho, são fatores que parecem tornar a procura pela carreira na construção civil como algo não desejado.
Segundo
Costa e Tomasi (2009) a literatura internacional é farta nos registros que
apontam que os canteiros de obras não mais despertam o interesse dos jovens.
Para estes autores, o caráter estigmatizado dos ofícios, os baixos salários, a
rudeza dos serviços e o enorme desgaste físico, exigido pelos trabalhos, fazem
com que haja uma desmotivação, especialmente por parte dos jovens, em procurar,
no setor, uma profissão. (COSTA, TOMASI, 2009, p.8)
Os jovens
que escolhem trabalhar na construção civil enfrentam o estigma do trabalho
pesado e a pressão social de amigos e familiares que consideram este trabalho
como “pouco qualificado para quem concluiu os estudos”, conforme afirma Costa e
Cockell (2014, p.76).
Registre-se,
ainda, que, diferentemente do que se pode pensar, os trabalhos de canteiros de
obras exigem consolidada qualificação, que não é conseguida facilmente e nem
rapidamente. Em suma, os trabalhos da construção, como os de carpinteiro de
forma, pedreiro de acabamento, eletricista, entre outros, são mais complexos do
que aparentam ser e sua aprendizagem demanda muito tempo e dedicação (TOMASI,
1996).
Na
segunda situação, o desenvolvimento tecnológico recente, com destaque para o
setor da informática, bem como o surgimento de outros setores produtivos decorrentes
ou não do desenvolvimento da tecnologia, e o crescente setor de serviços,
criaram novas oportunidades de trabalho para os jovens. Os serviços de motoboy,
por exemplo, ainda que pese o risco que acompanha esta atividade, é uma destas
oportunidades de trabalho.
Ressalte-se
que esta atividade, assim como possivelmente outras deslumbradas pelos jovens,
assegura uma autonomia, que sempre foi valorizada pelo trabalhador. Autonomia
no sentido de liberdade para gerir o próprio trabalho, como executá-lo e o tempo
de execução. Não é muito lembrar que as mudanças na construção civil vão na
direção contrária, ou seja, da perda da autonomia pelo trabalhador. Observa-se,
ainda, que muitas destas novas oportunidades exigem uma menor qualificação do
jovem, qualificação que é entendida, aqui, pelo conteúdo da atividade
(FRIEDMANN, 1946, 1950), que no caso é um conteúdo menos complexo, demandando
menos tempo de formação.
O
problema do envelhecimento da mão de obra da construção é, também, de grande
responsabilidade do setor. Segundo Gioelli (2011) a baixa capacidade da
construção em atrair e reter pessoas agrava a falta de mão de obra para o
setor. Como observam Costa e Cockell (2014) a construção civil pouco se
preocupou em estabilizar a sua mão de obra, isto é, em rever a gestão do
trabalho e melhorar suas condições, principalmente a remuneração, no intuito de
atrair um maior contingente de trabalhadores dispostos a investir no oficio.
Não nos
parece exagero dizer que a construção civil, muito especialmente o subsetor edificações,
sempre teve uma relação muito predatória com a sua mão de obra. A rotatividade
da mão de obra, uma das mais elevadas entre os setores produtivos e a
subcontratação, prática de gestão usual do setor, são exemplos (COSTA, 2010),
como já foi assinalado acima.
Estes e
outros fatores, em diferentes medidas, podem contribuir para a redução
observada nos canteiros de obras de uma mão de obra jovem. E os jovens ou, mais
precisamente, a juventude, como veremos mais à frente, se vê e é vista de forma
muito particular, exigindo atenção ao ser abordada. É neste sentido, na busca
de uma resposta mais próxima ou mais justa para o fato, que nos perguntamos:
que fatores explicariam, aos olhos dos próprios jovens, a não procura da
construção civil e seus canteiros de obras como espaço de trabalho? Antes,
porém, algumas linhas sobre a juventude se fazem necessárias.
2- Juventude (s)
O
conceito de juventude é amplamente utilizado no cotidiano, mas sua definição
mostra-se plena de imprecisões. Encontramos na literatura autores que sugerem a
representação da juventude no seu sentido plural - juventudes, devido à
multiplicidade de conceitos e à diversidade de situações que afetam os sujeitos
nesta etapa da vida (DAYRELL, 2003; SPOSITO, 2003; SILVA, 2007).
Para
Souza e Paiva (2012) não existe uma concepção única que caracterize e delimite
o grupo geracional no qual os jovens estão inseridos, por se tratar de uma
categoria em processo de construção contínua, social e histórica. Assim, a
juventude não pode ser tratada de forma universal.
Nesse
sentido e nas palavras destes autores, a juventude caracteriza-se em relação a
uma multiplicidade de fatores, tanto os tidos como comuns a todos os jovens (a
puberdade, por exemplo) quanto os que apontam para sua diversidade (nacionalidade,
origem de classe, gênero, etnia, idade, situação socioeconômicas, hábitos
culturais, pertencimento espacial/vida rural ou urbana, opção religiosa,
composição familiar, experiências escolares, trajetória pessoal, dentre
outras).
Para
Dayrell (2003) juventude e ser jovem aparecem no imaginário social de diversas
formas. Uma das maneiras mais arraigadas de se ver a juventude é na condição de
transitoriedade, na qual o jovem é um “vir a ser”. Nessa perspectiva há uma
tendência de vê-la de forma negativa, ou seja, vê-se o jovem como alguém que
ainda não é, ou não se tornou em algo, negando o presente vivido. Outra maneira
é a visão romântica, na qual a juventude se apresenta associada à liberdade, ao
prazer e à expressão de comportamentos exóticos. Alinha-se a essa ideia a noção
de moratória, como um tempo de ensaios e de erros, de experimentações, um tempo
marcado pelo hedonismo e pela irresponsabilidade. Por outro lado, juventude
também pode ser vista como um momento de crise, uma fase difícil, com o predomínio
de conflitos, tantos internos (autoestima e personalidade) como externos (crise
e distanciamento da família).
“Considerar
as diversas imagens e olhares sobre a juventude, significa não só romper com critérios
rígidos, mas sim como parte de um processo de crescimento mais totalizante, que
ganha contornos específicos no conjunto das experiências vivenciadas pelos
indivíduos no seu contexto social.” (DAYRELL, 2003, p. 42).
Na
concepção de Abramo (2005) é preciso relativizar e entender as histórias pessoais
de cada jovem, uma vez que as desigualdades sociais produzem trajetórias
diversas para eles.
A
adolescência e a juventude muitas vezes são tomadas como sinônimos e associadas
a um período de transição entre a infância e a vida adulta. São termos que comumente
se reportam a um mesmo público, mas etimologicamente há um distanciamento e
assumem visões diferenciadas.
Do latim
“Ad” (para) + olescere”, (crescer), adolescência no sentido stricto significa
“crescer para”. O étimo adolescência nos remete à ideia de desenvolvimento, de
preparação para o que está por vir (PEREIRA, 2002). Do ponto de vista
biológico, a adolescência está relacionada à puberdade, sem considerar os
fatores sociais envolvidos.
O termo
juventude, por sua vez, do latim “aeoum”, quer dizer “aquele que está em plena
força” e engloba outros fatores como a aquisição de autonomia, a inserção no
mercado de trabalho, a expectativa de vida etc., e, devido a esses
fatores, a definição etária da juventude não se mostra consensual com o termo adolescente[5].
No
Brasil, até 2005, eram considerados jovens aqueles com idade entre 15 e 24
anos, a partir desse ano tem-se utilizado os critérios da Secretaria Nacional
da Juventude e do Conselho Nacional da Juventude (CONJUVE) que consideram
jovens pessoas com idade entre 15 a 29 anos (SOUZA e PAIVA, 2012). Essa mudança
aconteceu devido à maior expectativa de vida para população em geral, e maior
dificuldade da geração em ganhar autonomia em função das transformações no
mundo do trabalho (ANDRADE, 2008).
Para fins
de definição de política pública, de legislação e de pesquisa, ainda que seja
possível adotar um recorte etário para determinar quem são os jovens, deve-se
considerar o caráter não universal e a-histórico que o termo juventude carrega.
Isso significa dizer que existe variação no tempo e no espaço de uma cultura
para outra e, até mesmo, no interior de uma mesma sociedade. Ser jovem não se
resume a uma determinada idade e devem ser considerados aspectos como a
autonomia, as formas de vida e a cultura.
Deve-se
entender a juventude, não pelos seus aspectos uniformes e homogêneos, mas pela
pluralidade de sentidos e perspectivas, que justificam a utilização da forma
gramatical do termo juventudes. Assim, adotando essa concepção, entende-se que
há diversos modos de vivenciar a juventude. Ser jovem pobre e ser jovem rico,
por exemplo, pode fazer toda a diferença em determinadas situações.
Segundo estudos de Sposito (2003) e Abramo (2005), no início dos anos 2000, metade da população brasileira é constituída de crianças e jovens com idade até 25 anos, não havia predominância do sexo masculino ou feminino na população juvenil e aproximadamente 80% da população estava concentrada nos centros urbanos. A metade da população dos jovens estudantes tinham algum atraso escolar e 43% viviam com renda mensal familiar de até dois salários mínimos.
Segundo estudos de Sposito (2003) e Abramo (2005), no início dos anos 2000, metade da população brasileira é constituída de crianças e jovens com idade até 25 anos, não havia predominância do sexo masculino ou feminino na população juvenil e aproximadamente 80% da população estava concentrada nos centros urbanos. A metade da população dos jovens estudantes tinham algum atraso escolar e 43% viviam com renda mensal familiar de até dois salários mínimos.
A
pesquisa de Silva (2008) sobre aspirações de jovens de camadas populares de
Belo Horizonte aponta que 40% do grupo estudado declararam nunca ter
trabalhado, enquanto, 60% já exerciam alguma atividade laborativa, com
trabalhos informais, em geral com baixa remuneração, ou com prestação de
serviços voluntários. Os jovens apontam o trabalho informal como a melhor opção
de ocupação por ter menor exigência de carga horária/produtividade. Sobre as
atividades dos jovens do sexo masculino as ocupações recorrentes são: ajudante
de pedreiro, balconista de loja, fiscal de produção, cuidador de animas, babá e
doceiro. Contudo, registra a autora, tais trabalhos ocupam caráter provisório,
não sendo presente nos projetos de vida desses jovens, pois almejam trabalhos
que possibilitem a ascensão social, status e fama. E, ainda, é no sentido de
construção de projetos de vida da juventude que se pode entender melhor as
aspirações e motivações das escolhas por campo de trabalho.
Silva
(2008) afirma, também, que a família e as profissões de familiares interferem
de maneira positiva ou negativa no projeto de vida do jovem. A autora ilustra
tal afirmação com o relato de um jovem que trabalha como ajudante do pai que é
pedreiro, e que repudia veementemente a ideia de continuar esse tipo de
trabalho.
4- O que afasta e o que aproxima
os jovens dos canteiros de obras da construção civil?
Nesta
pesquisa, seguindo caminho semelhante ao tomado por Silva (2008), 13 jovens
alunos de escolas públicas localizadas em regiões da periferia pobre de Belo
Horizonte e inscritos entre 150 outros jovens numa Organização Não
Governamental, que busca oportunidades de trabalho formal para jovens de baixa
renda, participaram de entrevista e de um grupo focal.
Os
critérios usados para os jovens pesquisados acompanharam o perfil clássico,
segundo a literatura, dos jovens que tradicionalmente são inseridos na
construção civil: a) sexo masculino; b) experiência de trabalho nos canteiros
de obras da construção civil; c) residência ou convivência com algum familiar
(pai, avô, tio etc.), cuja trajetória profissional é na construção civil ou em
setor similar como operário.
Cinco dos
jovens que participaram da pesquisa são alunos da rede municipal de ensino,
responsável pelo ensino fundamental (da 1ª. série à nona série), e suas idades
variam de 15 a 17 anos; oito são alunos da rede estadual de ensino médio,
responsável pelo 1º. ao 3º. ano, e suas idades variam de 16 a 18 anos. Alguns
têm um histórico de reprovação escolar, o que pode ser constatado a partir de
suas idades, e a renda familiar não ultrapassa a dois salários mínimos. Dentre
os entrevistados sete trabalham na construção civil, na forma contratual
precária, seis deles se encontram no ensino médio e um no último ano do ensino
fundamental. Os demais trabalham, também, de forma precária, em outros setores
produtivos ou não trabalham de forma remunerada.
As
entrevistas e o grupo focal foram conduzidos de forma a ressaltar o discurso
dos jovens pesquisados sobre elementos previamente estabelecidos: as
expectativas dos jovens em relação ao mundo do trabalho; as atividades que
pretendem desenvolver no trabalho; onde pretendem trabalhar (setor produtivo);
os motivos ou justificativas que conduzem suas escolhas.
As
respostas dos entrevistados vão, em grande medida, ao encontro do que tem
assinalado a literatura, como vimos anteriormente, mas ganham especial
relevância porque são os próprios jovens, em suas palavras, que falam dos
anseios e expectativas deles próprios. As entrevistas e o grupo focal
procuraram, também, oferecer a oportunidade para que eles pudessem falar de
seus desejos, temores ou outros sentimentos. Vejamos, então, o que alguns deles
nos dizem sobre os jovens.
Os jovens querem trabalhar como
administrativo... sem carregar peso, né? Trabalhar sentado.... (D., 17 anos)
Tô caçando um trabalhinho
sentado, lá no ar condicionado, mexendo no computador, ué. (J.,18 anos).
Nenhum jovem tá caçando ficar
carregando lata de massa em sol quente, não. (C., 16 anos)
Eles não
querem trabalhos arriscados, nem pesados, nem sujos ou desconfortáveis. E
porque haveriam de querer? A imagem que fazem dos canteiros de obras da
construção civil e dos trabalhos que lá os espera, inclusive por experiência de
alguns deles, é que são insalubres, arriscados e pesados. Ainda que a
construção civil tenha incorporado novas tecnologias de base organizacional ou
construtiva aos seus canteiros, aos olhos dos jovens o setor continua o mesmo:
“lata de massa em sol quente”. De fato, grande parte das obras são, ainda,
conduzidas por pequenas construtoras ou mesmo por pequenos empreiteiros, cujos
trabalhos pouco mudaram, inclusive no que diz respeito à gestão da sua mão de
obra marcada pelos contratos informais de trabalho, um dos motivos que parecem
contribuir para o afastamento dos jovens dos canteiros de obras.
Eu quero trabalho regulamentado e
acho que todos querem isso. Tipo com carteira assinada e tudo que tenho
direito. Um trabalho suave, né? Quero ser alguém na vida.... Que minha família
orgulhe de mim. (W., 18 anos)
A
carteira de trabalho assinada sugere ser mais do que os direitos trabalhistas
assegurados.
Ela
significa a inserção formal e socialmente reconhecida no mundo do trabalho,
elemento fundamental para os jovens, como foi anteriormente assinalado.
Cumpre-se, com a posse de uma carteira de trabalho assinada, quase que um rito
de passagem para a vida adulta. Eles desejam, sobretudo, se orgulharem do que
fazem, não apenas eles, mas que a sua família e, possivelmente, o seu grupo
social se orgulhe deles.
Eles
buscam ser socialmente reconhecidos e este reconhecimento, como nos deixam
entender, parece estar muito mais associado ao tipo de trabalho realizado, se
pesado ou não, se confortável ou não, com registro ou não em carteira, do que à
remuneração, propriamente dita, ainda que seja a busca de dinheiro que possa
mantê-los e às suas famílias que os levam ao trabalho ainda precocemente. O
trabalho pesado é assumido na falta de outro melhor.
Esse povo que trabalha em
sacolão, supermercado, lava jato... E na obra é o seguinte: eles preferem está
trabalhando, pegando pesado do quê ficar roubando e matando. É trabalho puxado.
Eu não queria isso para mim, né? Mas se não tivesse outra coisa ficaria lá até
arrumar outra coisa (P., 17 anos)
Ao se
referirem ao trabalho da construção civil ou a outros que exigem esforço físico
semelhante, eles lembram que é um trabalho pesado, mas é isto ou a
marginalidade. Pode-se depreender de tais observações do jovem que eles têm a
exata noção de onde se localizam socialmente e, no caso, na fronteira da
marginalidade. E atravessar esta fronteira é algo tão possível quanto fácil. A
obra é “trabalho puxado”. Eles não descartam, todavia, o trabalho na obra, e se
dizem dispostos a enfrentar o trabalho pesado, como uma alternativa honesta de
se ganhar a vida, ou para não cair na vida marginal, mas, tão logo seja
possível, buscarão trabalho melhor que, no entendimento deles, está reservado
aos “que têm dinheiro”.
As melhores oportunidades sempre
ficam com os que têm mais dinheiro. Os pobres ficam com o que resta. Aí, quem
não consegue tenta, tenta emprego e não consegue acaba aceitando bico para
trabalhar na obra ou no sacolão (D., 17 anos).
As
oportunidades são para quem tem mais dinheiro, eles reconhecem, se referindo,
possivelmente aos jovens das classes médias, médias altas ou mesmo ricos. As
possibilidades de escolha, eles sabem, não são muitas e nem todos têm a chance
de escolher.
... tipo, tem gente que não pode
escolher, que senão a família fica na mão...ai...ele tem que pegar o que
aparece. Tipo, mesmo que ele não goste, mas precisa trabalhar. (J.,17 anos)
É muito jovem para pouco
trabalho. Assim, alguns farão o trabalho “bom”, os que “tem mais dinheiro” e os
demais, os mais pobres, “vão pegar o trabalho puxado”.
O problema é que tem muito jovem
e não tem trabalho bom para todos. Alguns vão pegar trabalho puxado. (P. 17
anos)
Os depoimentos dos demais jovens entrevistados seguem a mesma direção.
5- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo
da pesquisa os jovens deixam transparecer as expectativas que têm em relação ao
mundo do trabalho, uma expectativa reconhecidamente restrita a jovens pobres,
bem com as atividades, mais leves e menos arriscadas, que acreditam encontrar
neste mesmo mundo.
O
escritório e as atividades nele realizadas (leves, limpas, sem riscos e socialmente
reconhecidas) se opõem, no imaginário dos jovens, ao canteiro de obras, onde
predominam as tarefas pesadas, arriscadas, as extensas e fatigantes jornadas de
trabalho nada reconhecidas pela família ou pela sociedade, e é o caminho que
eles apontam a ser tomado na busca precoce do primeiro emprego.
Essas
observações reafirmam o que nos apontam Costa e Cockell (2014) em suas
pesquisas, para quem o setor da construção civil representa, ainda, a grande
divisão de classes marcada por relações hierarquizadas e profundamente
separadas que caracteriza a sociedade brasileira.
As
atividades de escritório, todavia, podem não ser tão leves, tão
profissionalmente realizadoras e nem tão reconhecidas socialmente como
imaginam. Possivelmente o desejo de se afastar do canteiro de obras os ajude a
idealizar uma imagem dos escritórios e das atividades nele desenvolvidas.
A se
considerar os depoimentos dos entrevistados, os jovens que se dirigem aos
canteiros de obras assim o fazem não por escolha, mas pela ausência dela ou a
impossibilidade de tomar outro caminho. Como bem assinala Frigotto (2005), um
crescente número de jovens participa de trabalhos ou atividades de diferentes
tipos como forma de ajudar seus pais a compor a renda familiar. Não se trata,
portanto, de uma escolha, mas de uma imposição de uma cultura capitalista, que
produz e reproduz desigualdades.
Chama-nos
atenção o fato de os jovens visarem no mundo do trabalho um emprego,
possivelmente o de um “faz tudo” no escritório, sem determinarem exatamente o
que fariam exceto o que não querem fazer: trabalhos duros e ariscados como os
da construção civil. Eles não se referem a uma qualificação que deles seria
exigida para ocupar este emprego. Eles não se referem a ter um ofício como meio
de possuírem saberes e saber-fazer, uma identidade profissional, de se
localizarem na sociedade e nela serem reconhecidos como profissionais. Mas como
pensar em ofício se a educação escolar que recebem não os prepara para o
trabalho, para ter um ofício? O canteiro de obras que eles procuram dele
escapar é o lugar onde se encontram trabalhadores de diversos ofícios, mas o
acesso a estes ofícios de modo geral não passa pela escola, pela formação
profissional e sim pela “lata de massa em sol quente”.
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* Doutor
em Sociologia pela Université Paris VII - Denis Diderot e pós Doutor FAFICH -
UFMG. Professor Titular do Departamento de Engenharia Elétrica e do Mestrado em
Educação Tecnológica do Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas Gerais.
e-mail: tomasi@uai.com.br. Endereço para correspondência: Alameda dos
Buritizeiros, 65. Nova Lima, Minas Gerais, Brasil. CEP 34004-718
** Mestranda
em Educação Tecnológica no Centro Federal de Educação Tecnológica de Minas
Gerais. E-mail: saralopesfonseca@yahoo.com.br. Endereço para correspondência:
Rua Frei Tito, 21, Bairro Goiânia, Belo Horizonte, Minas Gerais. Brasil.
Para
citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Antônio de Pádua Nunes Tomasi y Sara Lopes Fonseca (2017): “Eles não querem carregar lata de massa em sol quente. E por que haveriam de querer?”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (abril-junio 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/02/juventude.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1702juventude
Antônio de Pádua Nunes Tomasi y Sara Lopes Fonseca (2017): “Eles não querem carregar lata de massa em sol quente. E por que haveriam de querer?”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (abril-junio 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/02/juventude.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1702juventude
[1] Para
discussão mais aprofundada sobre a relação do aumento da escolaridade e
desemprego ver BRAVERMAN, Harry. Nota final sobre qualificação. In: Trabalho e Capital Monopolista: a
degradação do trabalho no século XX. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan
S.A, 1974, p.359-379.
[2] Esta
parece ter sido a tendência do mercado brasileiro, excetuando-se alguns
períodos como o vivido no segundo mandato do governo Lula e primeiro mandato do
governo seguinte.
[3] “Isso
explica porque, em alguns canteiros, mestres de obras mais experientes recebem
salários maiores do que os dos próprios engenheiros” (GOELLI, 2011, p.1).
[4] DUBET,
François. Comment devient-on
ouvrier? Autrement. Ouvriers, ouvrières. Un continent morcelée et silencieux.
Paris: Éditions Autrement, 1992. p. 136-144. (Série Mutations, n. 126)
[5] Como efeito
disso, cada país tem sua delimitação de idade para a juventude. No Japão é até
os 35 anos, na França de 16 a 24 anos, na Itália de 14 a 32 anos etc. (POCHMANN,
1998; SOUZA e PAIVA, 2012)