Bruno Maggi
Professor titular de Teoria da Organização
da Faculdade de Economia da Universidade de
Bolonha
e da Faculdade de Direito da Universidade de
Estudos de Milão
«… neste mundo quase nada do que se diz
é entendido como o dizemos...»
Denis Diderot, Jacques le
fataliste et son maître
Introdução
Frequentemente se diz que «ensinar
é transmitir»: transmissão de saberes e de conhecimentos. Neste trabalho vamos
questionar esse enunciado.
Em primeiro lugar, partindo da etimologia dos
dois termos, ensinar e transmitir, vamos nos interrogar sobre os problemas
relativos à comunicação em situação de ensino, particularmente os que dizem
respeito às modalidades da escuta e da compreensão e aos conteúdos dessa
comunicação. Com a ajuda de dois exemplos de atividades de educação e de
formação discutiremos, especialmente, sobre o que se transmite e sobre o que
não se pode transmitir: conhecimentos, saberes, capacidades... Isso nos
conduzirá a sustentar a tese de que ensinar não é transmitir. Insistiremos na
aprendizagem, na ajuda à aprendizagem e no aspecto regulador da ação de
aprendizagem. Apresentaremos assim nosso ponto de vista, que destaca a
elaboração, a criação e o desenvolvimento contínuo dos conhecimentos e das
capacidades do sujeito que aprende. Finalmente, tentaremos compreender de onde
vem a ideia de ensino entendido como transmissão e as implicações maiores
decorrentes, de um lado, dessa ideia, e de outro lado, do ponto de vista que
focaliza a aprendizagem.
Essa
reflexão sobre a comunicação no ensino inscreve-se em nossa teoria do agir social. Trata-se de conceber as
atividades humanas em termos de processos de ações e de decisões, processos
esses que se produzem e se desenvolvem continuamente no tempo, que estão sempre
abertos, sempre mutáveis, sempre se
relacionando com outros processos. Nessa perspectiva a aprendizagem é vista
como um processo de ação, não separável dos processos de ação que dizem
respeito a outras atividades humanas, especialmente o trabalho, que exigem
aprendizagem e ensino, deles se alimentando. Todo processo de ação e toda
relação entre processos têm um aspecto regulador, ou mesmo organizacional, que
é fundamental para sua produção, para seu desenvolvimento e também para sua
compreensão. Denominamos nosso ponto de vista de teoria do agir organizacional (Maggi, 2003).
Ensinar e transmitir
Será verdade que «ensinar é transmitir», e
especialmente transmitir saberes e conhecimentos ? Vejamos inicialmente os
termos envolvidos na questão, com a ajuda do Dicionário
histórico da língua francesa· (Rey, s/d,
1992).
Por
um lado «ensinar», vindo do latim popular insignare,
derivado do verbo clássico insignire,
significava inicialmente «fazer conhecer por um signo», «sinalizar». Depois
esse sentido tendeu para «informar», enquanto ensinar adquiriu o sentido de
«instruir» e em seguida de «ensinar a alguém» e de
«levar alguém a aprender», o que é comumente entendido como «transmitir
conhecimentos a um aluno».
De
outro lado, «transmitir» (do latim trans
+ mittere) tem o sentido dominante de
«fazer chegar alguma coisa a alguém», inicialmente se referindo a ceder um
direito, um bem material, e em seguida, de maneira geral, significando «fazer
chegar um elemento físico de um lugar a outro». Assim, referindo-se aos sinais
elétricos e depois ao conjunto das telecomunicações e informática, a
transmissão adquire uma importância particular. Transmitir então não é mais
apenas enviar (mittere), mas fazer
passar para o lado de lá, remeter, fazer chegar. Para que haja uma transmissão
é necessário não somente o envio, mas também a recepção, ao menos em termos de
possibilidade.
Se ensinar é transmitir, devemos então entender
que se trataria de enviar mensagens certificando-se, no melhor dos casos, de
sua boa recepção? A nós parece necessário nos interrogarmos sobre a comunicação
no ensino, sobre suas modalidades, seus conteúdos, sobre os problemas que ela
apresenta. Vamos colocar aqui algumas questões que nos parecem fundamentais e
que tentaremos discutir em seguida.
Parece necessário nos interrogarmos,
antes de tudo, sobre a escuta. A primeiríssima questão é: existe escuta? A transmissão
existe, mesmo se a mensagem não chega sempre ao seu destino. Se alguém não
capta um sinal de televisão ou não recebe uma mensagem eletrônica que outros
recebem, diz-se mesmo assim que a transmissão ocorreu. Da mesma forma, pode-se
ter uma linda conferência na sala de aulas, com aplausos ao final, um alto
nível de satisfação revelado no questionário da chamada «avaliação» da aula,
mas não se sabe quem escutou e quem não escutou. O «professor» sem dúvida
transmitiu, mas ele não sabe se e a quem ele ensinou alguma coisa.
A
questão da escuta diz respeito, além do mais, às suas modalidades: qual
escuta? Quando a mensagem foi recebida, não se sabe como o
foi. Por um lado o destinatário da mensagem pode não tê-la compreendido, por
exemplo, por falta de conhecimentos apropriados. Por outro lado o destinatário
pode ter compreendido, mas pode recusar a mensagem. Ou então ele pode
compreender e desviar a mensagem para uma direção, ou um emprego, diferentes
dos que haviam sido previstos. Ou ainda, ele pode ter compreendido, mas por um
outro ponto de vista, diferente daquele decorrente da mensagem: na verdade ele
acredita ter compreendido, mas de fato ele não compreendeu nada.
Partamos
agora da hipótese de que o destinatário da mensagem escutou bem e compreendeu
bem. Pode-se afirmar, em decorrência disso, que ele tenha também aprendido?
Assegurar-se de uma boa escuta não é suficiente. É preciso também se questionar
sobre as relações entre o que é transmitido, ou o que se pensa estar
transmitindo, e o que deveria ser recebido. Dizendo de outra maneira: por que a
escuta? A questão recai então
sobre as necessidades de aprendizagem do destinatário da transmissão. Este tem
necessidade de aprender para agir e na maior parte dos casos essa necessidade
compreende ações futuras, as quais ele ainda não conhece. Esse sujeito não
está, portanto, em condições de responder à pergunta, e não é pertinente que
ela lhe seja feita. Mas mesmo o professor, em geral, não possui um conhecimento
direto das atividades nas quais o destinatário dos ensinamentos será envolvido.
Certamente pode-se pensar em um treinamento compreendendo atividades físicas,
de esporte, por exemplo, onde aquele que ensina conhece bem a atividade em questão. Mas quando
se trata de uma formação que compreenda, por exemplo, atividades de trabalho,
isso se torna muito menos verdadeiro e é frequentemente impossível quando é o
caso de uma formação que deve tornar o destinatário apto a fazer face a uma
nova atividade. Esse problema é ainda mais importante no caso de ensino em
escolas ou universidades: por exemplo, que conhecimento podem ter sobre as
futuras atividades de trabalho dos diplomados, os estudantes e ao mesmo tempo
os professores de uma faculdade de Economia?
Evidentemente,
o que se decide transmitir e se tenta transmitir é baseado em hipóteses, em
confrontações, em avaliações do que ocorreu e, no entanto, contempla uma
aprendizagem que deve servir de adequação para o futuro. Da mesma maneira, são
hipóteses sobre a escuta e a compreensão que estão nas bases do ensino
entendido como transmissão. Levantamos dúvidas quanto ao fato de que esse
ensino seja também «levar alguém a aprender».
Devemos
finalmente acrescentar: ensinar a alguém «alguma coisa». Será que a
«coisa» que se pode aprender é a «coisa transmitida»? A questão maior recai
sobre os conteúdos da comunicação: escuta de quê? Devemos nos questionar sobre o
que se pode e o que não se pode transmitir. Será que podemos transmitir
informações, capacidades, práticas, noções abstratas, saberes, conhecimentos,
competências, valores...? Esta última questão abrange as ciências da educação e
da formação, mas também as ciências cognitivas e de maneira mais geral as ciências
humanas e sociais, a epistemologia, a filosofia.
Dois exemplos
A fim de ajudar a discussão, para tentar dar
alguma resposta às questões que formulamos, vamos propor dois casos
ilustrativos. No primeiro caso, relativo a um curso universitário, o «local de
educação» é muito distante do «local de trabalho» futuro dos alunos. No
segundo caso, concernente a uma formação em análise do trabalho para fins de
prevenção, existe, ao contrário, coincidência entre «local de formação» e «local de trabalho».
Na linha de Economia e Gestão de Empresas da
Faculdade de Economia da Universidade de Bolonha, tratava-se de criar um curso
de pós-graduação (master, após o
primeiro nível de três anos) voltado para Organização. Intitulamos esse curso Mudança
organizacional e decidimos colocar em discussão em sala de aulas uma
série de mudanças organizacionais de empresas, em busca de dois objetivos: (a)
aproximar os estudantes dos casos reais do mundo das empresas, que constituirá
sua entrada natural na profissão; (b) ensinar os estudantes a utilizar
diferentes teorias para interpretar as escolhas organizacionais, com vistas às
suas futuras profissões dentro das empresas.
Os
casos utilizados nos cursos tratam de transformações organizacionais de
diversos gêneros, por exemplo, as evoluções da usina automobilística na Fiat ou
a aliança entre a empresa italiana de hipermercados
La Rinascente e o grupo francês de hipermercados Auchan. Esses casos foram apresentados
pelos próprios protagonistas a um grupo de colegas seus, dirigentes de outras
empresas, e submetidos à discussão e à interpretação por esse conjunto de
pares. Em seguida os resultados, incluindo casos e debates, foram transformados
em artigos, escritos por pesquisadores, e publicados em produções que dirigimos
(Maggi, s/d, 1998 [trad. fr. 2001] ; 2001; Maggi e
Masino, s/d, 2004), o que permite, entre outras coisas, que sejam
utilizados nos cursos. Isso acontece no nosso Programa de pesquisa sobre a
mudança organizacional «O Ateliê da Organização» (www.taoprograms.org).
A
pedagogia que adotamos se diferencia, entretanto, da utilização tradicional dos
casos. Em nosso curso, cada caso é objeto de duas sessões consecutivas. Na
primeira sessão os estudantes expõem e discutem o caso que eles leram, tentando
se apropriar dos diferentes aspectos da mudança organizacional implicada, sem
fazer referência aos saberes teóricos. Na segunda sessão os estudantes são
convocados para as interpretações possíveis, pela confrontação de duas ou mais
teorias – entre as citadas no artigo – e pela confrontação das diferentes
explicações que elas propõem.
Decorre
dessa pedagogia que os textos – relativos aos casos e às referências teóricas –
são estudados antes e não depois da aula. Decorre também que a avaliação da
aprendizagem é progressiva, de acordo com o desenvolvimento do curso, o que
torna supérflua a tradicional prova ao final do mesmo. Acrescentemos, para
informação, que esse curso é dirigido a uma turma de cerca de trinta estudantes.
O segundo exemplo diz respeito a uma formação
em análise de trabalho com fins de prevenção, de uma turma de operadores de
hospitais e de serviços sanitários, que tem lugar
no interior da Unidade de Serviços
Sanitários da Província de Trento. Essa Unidade atende cerca de 500000
habitantes por meio de treze setores territoriais, dos quais cinco integram um
hospital. A Unidade instituiu uma formação geral visando à aprendizagem e à
utilização do método de análise organizacional que propomos com o Programa
de pesquisa «Organization and Well-being»
(www.taoprograms.org), para atender as
exigências das normas comunitárias e nacionais sobre a prevenção nos locais de
trabalho.
Já
evocamos esse exemplo em outro texto (Maggi, 2003: parte III, cap. 2) para auxiliar
na discussão das relações entre formação, análise do trabalho e intervenção
para a mudança. Permitimo-nos retomar aqui a descrição do dispositivo
instaurado. Trata-se de um dispositivo
aparentemente simples, fundamentado na alternância entre trabalho em sala de
aulas e experiências de campo realizadas pelos participantes. Num primeiro
momento os pesquisadores do Programa O&W expõem aos participantes: (a) a
concepção da formação subjacente ao dispositivo, (b) o quadro normativo
referente à prevenção nos locais de trabalho, (c) o método do Programa. Num
segundo momento, seguem-se as seguintes etapas: (a) os participantes discutem
exemplos de análise e de mudança organizacional oriundas de experiências
anteriores do Programa O&W; (b) depois de formar grupos de trabalho, os
participantes tentam utilizar o método para analisar seus próprios processos de
trabalho e, a partir dos resultados dessa análise, para propor intervenções
tendo por objetivo evitar os riscos e melhorar globalmente o trabalho. Dessa
maneira, a formação se dá dentro de um «laboratório» constituído pelos mesmos
processos onde se desenvolvem as atividades cotidianas das pessoas envolvidas.
Depois, num terceiro momento, logicamente distanciado no tempo, os
participantes discutem e confrontam seus trabalhos de campo com a ajuda dos
pesquisadores do Programa O&W. Essa última fase tem como resultado, de um
lado, a verificação e o reforço da aprendizagem do método e, de outro lado, a
implementação de ações de mudança dos processos de trabalho segundo os
objetivos desejados.
Nos parágrafos seguintes, a
referência aos dois exemplos nos permitirá ao mesmo tempo, situar as
questões relativas à comunicação em ensino ao longo de atividades de educação e
de formação, mostrar como os dois dispositivos tentam fazer face aos problemas
emergentes dessas questões e explicitar alguns elementos da teoria subjacente
ao nosso procedimento.
Existe escuta? Qual escuta? Por que a escuta?
A primeira pergunta que fizemos é muito
simples: ela diz respeito à verificação da escuta. E é também bastante
simples instaurar dispositivos que, diferentemente de uma conferência e de uma
formação tradicional, estejam preparados para assegurar tanto a recepção das
mensagens como a sua verificação. No que diz respeito aos nossos exemplos, as
duas situações permitem uma avaliação constante da escuta: no caso do curso
universitário, o estudo prévio e a discussão em classe; no caso da formação
para a prevenção, o envolvimento na utilização do método de análise.
No entanto, a questão se articula e
se torna mais complicada se levarmos em conta as modalidades da
escuta. Em
primeiro lugar, a mensagem ouvida não é necessariamente compreendida. O exemplo
mais imediato é o das dificuldades da linguagem: pensemos nos problemas de
compreensão por parte dos estudantes Erasmus
no curso universitário. Mas pode-se também pensar em mensagens cuja compreensão
pede um conhecimento prévio, por exemplo de ordem filosófica, que o estudante
não teve ocasião de adquirir antes do seu acesso à universidade. Em segundo
lugar, a mensagem ouvida e compreendida não é necessariamente aceita. O
estudante universitário ou o operador de serviços sanitários, com base nos seus
conhecimentos e seus interesses, podem opor resistências, um a uma perspectiva
teórica, e o outro à utilização do método de análise. Se a recusa for
explicitada, a comunicação em ensino pode também se enriquecer, mas se o
estudante ou o operador sanitário se calam, o ensino entendido como transmissão
não tem como perceber a situação. Por último, a mensagem aceita e
(aparentemente) compreendida pode, de maneira mais ou menos consciente, ser
desviada, ou recebida dentro de uma perspectiva que não é adaptada, o que traz
problemas relativos à compreensão em si mesma. Acrescentemos algumas palavras
para ilustrar essas duas últimas possibilidades.
Pensemos, por exemplo, na discussão das transformações da
fábrica de automóveis durante o curso universitário. Trata-se, no caso, de
numerosas situações em que a empresa deve escolher entre externalização e terceirização para atividades diversas relativas à fabricação do
automóvel. Ora, o objetivo da discussão é apreender o aspecto organizacional
dessas escolhas, mas o raciocínio do estudante pode pender para os aspectos
econômicos, jurídicos etc., sob a influência do que ele ouviu anteriormente em
outros cursos. Pensemos também, em relação ao caso da formação para a
prevenção, em um desvio da utilização do método de análise do trabalho, do
objetivo da prevenção para um objetivo, por exemplo, de avaliação dos savoir-faire dos indivíduos envolvidos
na situação de trabalho. Nos dois casos houve a compreensão da mensagem e não
houve uma recusa. O desvio não é uma recusa: o indivíduo envolvido aceita a
mensagem, mas a utiliza numa direção que não é a prevista e desejada.
Façamos
referência ainda ao curso universitário. Quando se trata de confrontar
diferentes interpretações possíveis de um caso de mudança organizacional, o
estudante pode recorrer a uma teoria estando, porém, enganado sobre a visão do mundo
que ela pressupõe. Por exemplo, ele vai acolher o conceito de «sistema
sócio-técnico», mas sem se dar conta da visão determinista e funcionalista que
ele veicula. Do mesmo modo, durante a formação para a prevenção, pode acontecer
que os indivíduos em questão permaneçam inicialmente presos a uma visão de
predeterminação do sistema de trabalho e de prevenção secundária, enquanto o
método que se esforçam por aplicar pressupõe outra maneira de ver, segundo
a qual o processo de trabalho é transformado pelos próprios indivíduos, com o
propósito de prevenção primária. Nesses casos há efetivamente escuta e
aceitação da mensagem, e o destinatário crê ter compreendido; no entanto, o que
ele compreendeu? A definição de um conceito ou os critérios de um método foram
acolhidos, mas de um ponto de vista que não é o que permitiu construir tal
conceito ou tal método, um ponto de vista que se revela contraditório, ou mesmo
incompatível.
Por esses rápidos exemplos,
parece-nos evidente que o ensino concebido como transmissão não permite encarar
vários problemas que são inerentes à transmissão em si mesma, e tampouco
permite perceber esse fato. Poder-se-ia dizer que o bom professor deve se
preocupar com esses problemas a fim de assegurar uma boa transmissão, mas
pode-se replicar que para responder a essa preocupação é necessário sair da
ideia de ensino como transmissão. Será que os dispositivos evocados evitam
esses problemas? Certamente não, mas permitem reconhecê-los e, pelo menos em
parte, resolvê-los. Por um lado, permitem verificar, durante seu
desenvolvimento, se há ou se não há compreensão; por outro lado, no caso de
desvio da mensagem ou erro de perspectiva, de um lado o trabalho de discussão,
de outro lado o trabalho de análise, podem corrigir o rumo. Quanto à rejeição
da mensagem, ela não pode ser escondida, e a sua simples emergência seria
suficiente para mostrar que o ensino não se realiza por uma transmissão.
Enfatizamos, em seguida, o fato de que uma
mensagem bem ouvida e bem compreendida não é também, necessariamente, aprendida.
A atividade de educação ou de formação pode limitar-se a transmitir ou deve
preocupar-se com a aprendizagem? E como pode verificar a aprendizagem, sem
confundi-la com memorização, como é geralmente o caso nos exames de escolas e
de universidades? Pensamos que uma maneira ao mesmo tempo simples e eficaz de
verificar se a mensagem foi aprendida, é remeter-nos à sua aplicação. Pode-se
dizer, por exemplo, que o estudante do curso universitário aprendeu uma teoria
se ele demonstra que sabe utilizá-la para interpretar o caso de mudança
organizacional que lhe é apresentado, e que o operador de serviços sanitários
aprendeu o método de análise se ele consegue colocá-lo efetivamente em prática
para analisar o seu processo de trabalho.
Isso nos leva a refletir sobre as relações entre o processo
de ensino e os processos das atividades próprias dos indivíduos destinatários
do ensino. Esses diferentes processos de ação
podem ser mais ou menos aproximados ou distantes, no espaço e no tempo. É
importante refletir sobre esse ponto.
No caso da formação dirigida aos operadores de
serviços sanitários, o dispositivo é construído de forma a eliminar qualquer
distância entre o processo de ação da formação e o processo de ação de trabalho
dos operadores. A formação, a análise do trabalho e a intervenção para a
mudança com finalidade de prevenção apenas são, na verdade, aspectos diferentes
de um mesmo processo de ação que se desenvolve no seio do trabalho dos sujeitos
envolvidos. A esse respeito diríamos, de acordo com a lógica do ensino
entendido como transmissão, que o «local de formação» e o «local de trabalho»
coincidem. O dispositivo se baseia numa concepção da formação (Maggi, 2003,
parte III) que implica, por um lado, que ela responde às necessidades de
aprendizagem e por outro lado, que seus resultados são avaliados em relação à
satisfação dessas necessidades. A necessidade de aprendizagem relativa aos
operadores sanitários incide sobre uma capacidade de análise do trabalho e de
intervenção a fim de realizar uma prevenção primária; se o mais alto nível de
prevenção for alcançado, se poderá dizer que a aprendizagem foi satisfatória e
a formação eficaz.
O processo de educação universitária
é, por outro lado, muito distante dos processos de trabalho dos futuros diplomados. Em que empresa,
grande ou pequena, irá trabalhar o estudante? Em que setor, em qual tarefa? Nem
o estudante nem o professor conhecem os processos de trabalho que o estudante
encontrará em seu primeiro emprego, à saída da Universidade. Nem um nem outro,
provavelmente, jamais viram os processos de
uma empresa pelo lado de dentro: o que não é a mesma coisa que a
perspectiva de um consultor que pode, eventualmente, ser o professor de uma Faculdade de Economia ou de uma Escola de
Comércio. Isto é suficiente para compreender como o ensino universitário pode
estar desconectado das necessidades de aprendizagem dos alunos. O que fazer? O
dispositivo do curso que utilizamos oferece, e somos conscientes disso, apenas
soluções parciais e insuficientes. De um lado, para aproximar de alguma maneira
o «local de ensino» e o «local de trabalho», ele utiliza casos de mudanças
organizacionais que não foram descritos de fora, mas a partir do relato dos
protagonistas, de suas interpretações, e da confrontação com seus pares. De
outro lado, o dispositivo leva o estudante a discutir esses casos através da
utilização de vários saberes teóricos e assim, como já dissemos, permite
verificar ao menos o aprendizado desses saberes. Não sabemos se esse aprendizado
poderá satisfazer as necessidades dos estudantes quando estiverem futuramente
em suas ações de trabalho, e a avaliação da eficácia do ensino se detém na aquisição de uma capacidade de utilização das
teorias para interpretar processos de empresas.
Refletindo sobre a escuta, que a
ideia de ensino entendido como transmissão supõe sem
considerar seus problemas, a ênfase se deslocou sensivelmente, ao longo do
percurso, para a aprendizagem: ensinar nos parece menos «transmitir» que «levar alguém a aprender». Precisamos ainda
discutir sobre o que se pode e o que não se pode transmitir.
O que se transmite?
Havíamos partido do fato de que, segundo a
ideia comum, ensinar é «transmitir conhecimentos a um aluno». É conveniente,
portanto, começar pelos conhecimentos o questionamento concernente aos conteúdos da comunicação em ensino.
Seria necessário, antes de tudo,
definir o conhecimento:
tarefa extremamente complicada (e sem dúvida por essa razão, tarefa deixada de
lado por certas literaturas que se ocupam da matéria, as quais, no entanto,
pretendem tratar do assunto, como as da «gestão do conhecimento» ou knowledge management). Para nos
convencermos disso, podemos consultar um dicionário de filosofia. Ao longo do
desenvolvimento da filosofia ocidental o conhecimento foi visto sob ângulos
muito diferentes. Os pontos de partida foram, no pensamento grego, de um lado a
interpretação do conhecimento como a identificação com um objeto ou sua
reprodução e de outro lado como a apresentação mesma do objeto. As duas interpretações foram declinadas por múltiplas vias,
onde uma das questões essenciais foi a oposição entre a identificação da ideia
com o objeto conhecido e a representação do objeto de acordo com as condições
do conhecimento e do sujeito que conhece (Abbagnano, 1971).
Encontramo-nos
diante de diferentes maneiras de tratar o conhecimento em si se nos referimos
às correntes das ciências cognitivas, como sugere T.M. Fabbri em uma destacada
obra sobre a aprendizagem organizacional (Fabbri, 2003: cap. 3). Segundo F. Varela distinguiríamos: de acordo com o
«cognitivismo», a interpretação do conhecimento como «representação mental» que
se baseia em uma manipulação de símbolos; segundo a abordagem do
«conexionismo», a interpretação em termos de «emergência» de um estado global
mais que de operação sobre símbolos particulares; e segundo a abordagem da
«enação», o questionamento da representação de um mundo exterior, pela
interpretação do conhecimento como «o advento conjunto de um mundo e de um
espírito» na ação (Varela, Thomson, Rosch, 1993: p. 32-35).
As interpretações do conhecimento envolvem
efetivamente diferentes concepções, remetendo a
visões do
mundo, isto é, a pontos de vista inconciliáveis, ou mesmo incomensuráveis.
Essas curtas referências são suficientes para destacá-lo. E sem que seja
necessário engajar-se numa discussão sobre o conhecimento, elas são suficientes
para excluir, em todo caso, que alguém o pudesse «transmitir».
A distinção feita por J.-M. Barbier entre «conhecimentos» e
«saberes» pode então nos ajudar. Essa distinção sendo proposta, além disso, com
a preocupação de reconhecer um «léxico de intervenção sobre a atividade
humana», nomeadamente no âmbito da educação e da formação, nos permite
remeter-nos às obras desse autor para as referências relativas à questão nesse
domínio de estudo (Barbier, 1998; Barbier e Galatanu, 2004). «O uso combinado
das noções de saberes e de conhecimentos em contextos educativos organizados
[...] de acordo com uma lógica de comunicação» - diz Barbier - deve permitir
reconhecer aos saberes a propriedade de designar enunciados conserváveis,
acumuláveis, susceptíveis de comunicação-transmissão, apropriáveis por
diferentes sujeitos e aos conhecimentos a de designar
«estados», resultados de experiências cognitivas, marcadamente de
interiorização dos saberes, decorrentes da aprendizagem. Os conhecimentos
seriam, portanto «ativáveis», «variáveis de um sujeito a outro», inscritos «em
uma história dos sujeitos envolvidos».
Por essas definições, e evocando novamente nossos exemplos,
parece-nos sustentável que se possa ter uma comunicação concernente a saberes
teóricos pelo lado do curso universitário, e critérios de análise do trabalho
no que se refere à formação para a prevenção; que se possa também ter uma boa
escuta e mesmo a compreensão do que é ouvido sem, no entanto, ter uma ativação
de conhecimento por parte do sujeito em estado de recepção. Para que haja
conhecimento, de acordo com nosso ponto de vista, é necessário um agir
intencionado do sujeito, a «aprendizagem». Voltaremos em breve a este ponto.
Se não se transmitem conhecimentos, pode-se, contudo,
transmitir os saberes, de acordo com
o léxico da educação e da formação de que fala Barbier. Do mesmo modo as capacidades seriam susceptíveis de serem
transferidas, descontextualizadas de uma prática e re-contextualizadas em uma
outra prática. Parece-nos, no entanto, que podemos levantar dúvidas, inclusive no que diz respeito ao fato de que se
possam transmitir saberes e capacidades.
No caso do curso universitário, a comunicação recai
sobre saberes
teóricos. Lembremo-nos de que os estudantes são levados a interpretar uma
mudança organizacional utilizando diferentes perspectivas teóricas. Para
fazê-lo devem se apropriar de conceitos e hipóteses de duas ou mais teorias.
Será que o professor «transmite» esses conceitos e essas hipóteses? Não se
trataria, antes, de reconhecer que ele os apresenta, ilustra, que enfim ele se
expressa a respeito deles? Por exemplo, o professor diz que o conceito de
«papel» tem um determinado sentido de acordo com o funcionalismo, e um sentido
completamente diferente de acordo com a fenomenologia social. Ele transmitiu
dessa maneira os dois conceitos diferentes de papel, ou simplesmente fez um
discurso sobre os dois conceitos? No caso da formação para a prevenção, os
sujeitos em questão devem se apropriar do método de análise do trabalho.
Pode-se dizer que «saberes metodológicos»
estão aqui em causa – pressupondo, com certeza, saberes teóricos. Mas pode-se dizer, a partir disso, que se
«transmite» o método? Ou o conteúdo da comunicação não constitui apenas um
conjunto de «palavras a respeito», mais do que o método? De acordo com o léxico
do qual fala Barbier, os saberes são
«enunciados», e consequentemente, parece, seriam passíveis de transmissão. No
nosso ponto de vista, os conteúdos da comunicação são apenas enunciados sobre
os «enunciados-saberes».
A escola de Palo Alto destacou que a comunicação não deve
ser entendida de maneira simplista como uma transmissão de informações de um
emissor a um receptor, mas como uma relação, uma troca (Watzlawick, Beavin,
Jackson, 1967). De acordo com D. Sperber, o que constitui o fundamento da
comunicação é a «pertinência» (relevance) da informação emitida, permitindo seu tratamento por parte do receptor
(Sperber, Wilson, 1986). Nós acrescentamos que a comunicação não é nem uma
«troca de informações», nem um «duplo tratamento de informação». A informação é
elaborada pelo sujeito em questão - nos nossos casos pelo estudante ou o
operador de serviços sanitários. Segue-se daí, por exemplo, que para nós o que
se chama, com grande ênfase, e.learning
não é uma «e.formação» (e.formation,
neologismo francês) - mas nada mais que mensagens eletrônicas.
Além disso,
nos dois dispositivos, do curso universitário e da formação para a prevenção,
não há apenas o discurso relativo aos saberes, como seria o caso, por exemplo,
de uma conferência. No curso sobre a mudança organizacional, o professor mostra
como utilizar conceitos e hipóteses; na formação para a prevenção, os investigadores
do Programa O&w mostram como utilizar o método e como ele foi utilizado
para análises precedentes. Enfim, de um lado os estudantes, de outro lado os
operadores sanitários são conduzidos - individualmente e coletivamente - a
engajar-se na interpretação ou na análise. Diz-se, a esse respeito, de
«transmissão de capacidades». A fim de ativar a apropriação dos conhecimentos,
teóricos ou metodológicos, ou seja, do novo conhecimento necessário para levar
a cabo o trabalho de interpretação ou de análise, ao lado do discurso sobre os
saberes mostra-se como fazer. Mas mesmo sobre esse ponto, não há nenhuma
transmissão: há discursos e demonstrações sobre como fazer, mas são os estudantes e os operadores
sanitários que elaboram as suas capacidades. O mesmo se dá em relação a um
treino para uma atividade física, por exemplo, referente a um esporte: a
comunicação recai ao mesmo tempo sobre noções abstratas e sobre demonstrações.
A capacidade que a performance esportiva demonstra é elaborada e desenvolvida
pelo sujeito treinado.
Pode-se transmitir
as competências? Mostramos em outro lugar a utilidade de distinguir os
significados atribuídos à noção de competência: pelo conjunto de obras que
tratam do assunto, pelas diferentes línguas, e de acordo com as visões do mundo
que atravessam umas e outras (Maggi, 2003: parte III, cap. 3). Assim,
sustenta-se que se transmitem as competências se elas são concebidas como savoir-faire (por exemplo, nas obras que dizem respeito
a gestão), e não se pode falar de transmissão se as concebemos como «saber
decidir» ou «saber julgar». Compartilhamos a ideia de que a competência deve
ser entendida como uma combinação de elementos heterogêneos: conhecimento,
experiência, valores, história pessoal, história do ofício; e tudo aquilo no momento
da ação individual, subjetiva e social (Schwartz, 1999). Compartilhamos também
a definição de competência como qualidade atribuída a um sujeito, conferida em
relação a uma ação específica, à qual é conectado um julgamento de valor e uma
avaliação positiva (Barbier e Galatanu, 2004). Mas, pelas razões que tentamos levar em frente
precedentemente, pensamos que mesmo os que concebem a competência como savoir-faire, não podem sustentar a
ideia de que se possa transmiti-la.
Transmitem-se, finalmente, os valores?
Já mostramos (Maggi, 2003, parte III, cap. 1) que a ideia largamente difundida
pela psico-sociologia da formação que implica considerar separadamente
saberes, capacidades e valores, não é sustentável. Pensar os valores separados
do agir humano é apenas uma abstração. Não se pode conceber uma ação, uma
atitude, desprovida de valor, e todo saber, assim como toda capacidade,
pressupõe valores. A pergunta retorna à possibilidade de transmitir
conhecimentos, saberes, capacidades.
Por fim, ensinar não é, de acordo
com nosso entendimento, «transmissão de saberes e de conhecimentos», como se
diz frequentemente. Colocar a tônica sobre a transmissão seria remontar à
primeira significação assinalada pela história da palavra «ensinar»: como se
viu, ensinar como equivalente de «informar». Mas por um lado podemos duvidar de
que se queira entender isso e por outro lado, mesmo as «informações» – já o
dissemos - não nos parecem susceptíveis de uma transmissão. Preferimos
enfatizar o ensinar entendido como «levar alguém a aprender». O que nos leva então a tratar da aprendizagem.
Ensinar e aprender
«Aprender»,
do latim «apprehendere», não fica
distante de «apreender». Significa, a partir do francês antigo, «apreender pelo
espírito» e «adquirir conhecimentos para si» (sempre segundo o dicionário
histórico). Dirige-se também a outrem: «levar alguém a aprender».
A aprendizagem é, portanto, essa ação de apreensão pelo espírito, podendo
se referir a «aprender» (alguma coisa) e a «aprender a» (a fazer alguma coisa),
podendo ser ativada pelo próprio sujeito ou estimulada por outra pessoa.
As obras sobre o fenômeno da aprendizagem, sobretudo do
domínio do estudo psicológico, são muito numerosas. Vamos nos permitir
reportar-nos à obra já citada de T.M. Fabbri, e às suas ricas referências
bibliográficas, para evocar as abordagens essenciais (Fabbri, 2003: cap. 2). A
grande corrente comportamentalista propôs uma concepção da aprendizagem em
termos de resposta a um «estímulo de associações», desencadeada por
experiências. A abordagem cognitivista, em contrapartida, levou adiante a
concepção de processos de aquisição e construção de conhecimento pelo sujeito,
sublinhando seu agir ativo e intencional. Pode-se distinguir, além disso, uma
abordagem chamada de self-regulated learning,
que coloca a tônica sobre a «meta-cognição», ou seja, sobre a atividade
cognitiva que tem por objeto o processo de cognição em si mesmo. Por último,
uma última abordagem chamada de situated
and social learning, concebe a aprendizagem amarrada à prática, num
contexto físico e coletivo, o único que pode
reconhecer a aquisição de conhecimentos.
Mais uma vez, como se notou a propósito das interpretações
do conhecimento, as concepções da aprendizagem revelam diferentes visões do
mundo: ou a aprendizagem é vista como uma questão de comportamentos de
resposta, ou é vista como processos cognitivos, mais ou menos refinados e de
diferentes graus, ou é reconhecível a posteriori pelo «fazer» numa prática.
Recordemos de novo nossos exemplos. No dispositivo do curso
universitário, o aluno pode aprender os saberes teóricos, e pode também
aprender a utilização desses saberes para interpretar a mudança organizacional.
Esse procedimento, por um lado ajuda a aprendizagem dos saberes e por outro
lado, permite ao aluno avaliar a sua própria aprendizagem. Da mesma maneira na
formação para a prevenção, os sujeitos envolvidos podem aprender os saberes
metodológicos e também a utilização do método, que ajuda a compreender e a
aprender as categorias de análise bem como a se aprofundar do método à teoria subentendida. Mesmo nesse caso os
próprios sujeitos estão em condições de avaliar, ao longo do percurso, a sua
aprendizagem. Parece-nos importante sublinhar que os dois dispositivos permitem
a avaliação
contínua da aprendizagem, além da escuta e
da compreensão, com as suas diferentes problemáticas, e que essa avaliação pode
ser operada pelos sujeitos que aprendem.
Dissemos que o sujeito em questão
«pode» aprender. Isso, no final das contas, depende dele. O fato de a
aprendizagem poder às vezes ser, em parte, não consciente - como algumas
abordagens insistem em sublinhar - não retira nada da intencionalidade da ação
de aprender. De acordo com nosso ponto de vista, aprender é um agir. Ou melhor, é um agir social,
como o define Max Weber, um agir que, de acordo com o sentido intencionado do sujeito que age, é orientado no seu curso em relação à
atitude dos outros (Weber, 1922), já que ele se refere ao estar do sujeito em
seu mundo.
Para nós a aprendizagem é um processo de ações e de decisões,
sempre em relação com outros processos de ações e de decisões. Os dois casos de
educação e de formação evocados mostram claramente isso. O processo de
aprendizagem de cada estudante de universidade e de cada operador de serviços
sanitários se cria e se desenvolve em relação com os processos dos colegas bem
como com os processos de comunicação relativos aos saberes e às maneiras de
utilizá-los; no caso da formação para a prevenção é também evidente a relação
com os processos de trabalho dos operadores. Mas mesmo o processo de
aprendizagem de um sujeito único está sempre em relação com outros processos de
ações e de decisões, devido ao seu caráter de agir social. A criança pequena só
aprende se referindo aos seus próprios processos de ação e aos processos de
ação dos que a cercam, e Robinson Crusoé na ilha deserta só aprende orientando
suas ações em relação à civilização que deixou e para a qual ele quer voltar.
Acrescentemos uma precisão. O fato
de falar de agir e de agir social, o fato de sublinhar a ajuda à aprendizagem
pela utilização dos saberes não nos conduz a compartilhar a concepção do
conhecimento como «enação» e da aprendizagem como procedente de uma «comunidade
de prática». Nossa concepção da aprendizagem entendida como processos de ação não
tem necessidade disso para integrar a ação e a cognição, o caráter social e
situado da ação. Ela os integra afirmando a intencionalidade da ação e do
espírito: o que procede de uma diferente epistemologia.
Ensinar então para nós, não é transmitir – o que quer que
se possa transmitir -; o seu valor é o de aprender
- no sentido de ajudar a aprender, e
também de aprender
a aprender, como diz G. Bateson (1972), ou
seja, ajudar a aprender sobre o processo de aprendizagem. Pode-se dizer que os
saberes, as capacidades, as atitudes, mesmo as maneiras de ver, «passam», de um
sujeito a outros sujeitos, mas não porque lhes sejam transmitidos. O que parece
uma passagem, atribuído a uma transmissão que não existe, é na verdade um compartilhamento devido a uma ação de aprendizagem. Uma aprendizagem que
pode ser ajudada - lembrando, no entanto, que isso não é indispensável - pelas
múltiplas formas do que chamam «ensino».
Pode então ser útil retornar de forma breve aos diferentes
problemas da comunicação que destacamos até agora, a fim de apreender um
aspecto importante do ensino, ou melhor, da ajuda para aprender. Este aspecto é
o da persuasão, ou seja, da «ação de convencer», mostrando-se o que se
sabe e fazendo-o valer. Como sustenta G. Mosconi, a dimensão psico-retórica do
discurso não deve ser restrita ao discurso persuasivo entendido como o que visa
a «fazer mudar de opinião», mas ela se refere também ao discurso demonstrativo
e explicativo, marcadamente no ensino (Mosconi, 1987; 1989). Teríamos tendência
a dizer que qualquer comunicação eficaz em ensino, seja ela procedente de
discurso ou de demonstrações, utiliza abundantemente a persuasão. É pela
persuasão que, no curso universitário assim como na formação para a prevenção,
pode-se estimular a escuta, mudar a recusa da comunicação para aceitação,
corrigir as utilizações desviadas dos saberes e das capacidades, e mesmo
conduzir ao abandono de uma maneira de ver para a adoção de outra.
A comunicação em ensino utiliza várias maneiras de
persuasão, que vão do constrangimento e da sanção ao realce das vantagens para
o sujeito que aprende, que pode ir até a ativação de novos desejos e novas
orientações de ação. Como exemplo de persuasão pela sanção pode-se pensar na
nota negativa no caso do curso universitário; como exemplo de realce de
vantagens pode-se pensar no fato de mostrar ao operador sanitário que o método
proposto permite-lhe atingir o nível de prevenção primário que quer realizar;
por último, como exemplos de ativação de novos desejos e de novas orientações
de ação, pode-se pensar no fato de fazer descobrir ao estudante a possibilidade
de interpretar os casos de empresas de acordo com perspectivas que ele não
tinha imaginado, ao operador sanitário que ele participa em pessoa da melhoria
dos seus próprios processos de trabalho ao mesmo tempo em que os analisa, à
criança pequena o divertimento e o prazer de andar de bicicleta ou de tocar um
instrumento musical. As diferentes maneiras de persuasão baseiam-se em regras
psico-retóricas da comunicação, como diz G. Mosconi, das quais a mais
importante é a de partir daquilo que pensam os sujeitos aos quais nos
dirigimos, dos seus motivos, do sentido da sua ação.
Essa ênfase nas regras da
comunicação em ensino leva-nos a sublinhar um último ponto. Considerando o
ensino, assim como o processo de ação, orientado para a aprendizagem de outrem
e a aprendizagem como o processo de ação do sujeito que aprende, percebe-se que
a relação entre esses processos é também o encontro de uma multiplicidade de regras, de diferente natureza e de diferentes
fontes. Por um lado o processo de ensino convoca as regras dos saberes e das capacidades, produzidas e definidas pelos processos
disciplinares; por outro lado o processo de aprendizagem convoca as regras dos
processos de ação nos quais está comprometido o sujeito que aprende - processo
de estudo para o estudante, processos de trabalho para o operador sanitário. E
esse encontro de diferentes regras não é sem consequência: a regulação do
processo de aprendizagem se produz manipulando e ao mesmo tempo re-elaborando
as regras disciplinares e as regras dos processos de ação que os novos
conhecimentos procedentes da aprendizagem vão transformar, bem como produzindo
novas regras. Percebe-se então a importância do aspecto regulador, ou mesmo organizacional,
desse agir social que é o aprender.
Esse trabalho organizacional, de
transformação e produção de regras, sem o qual a aprendizagem seria inútil ou
mesmo não existiria, pode ser mais ou menos ajudado pelo processo de ensino,
mas é antes de tudo próprio do processo de aprendizagem.
As maneiras de ver o
ensino, e o que delas decorre
Colocando o enfoque
sobre a aprendizagem, e sobre a aprendizagem como processo de ação, deslocamos
– poder-se-ia dizer - a perspectiva, dos saberes e das capacidades «de
transmitir», às necessidades de
conhecimento, de um posicionamento quase passivo dos «destinatários» das
atividades de educação e de formação, à elaboração
e ao desenvolvimento constante,
sempre variável e renovado, dos conhecimentos do sujeito que age, pelos e para seus processos de ação.
Quais são os pressupostos e
quais as implicações essenciais dessa diferença de pontos de vista?
É necessário antes de tudo encarar a questão de compreender
de onde vem a idéia da «transmissão» (dos saberes, das capacidades... ). Ela
vem, por um lado, da visão do mundo objetivista: de acordo com essa visão
existe uma realidade objetiva, com saberes armazenados, com savoir-faire e valores compartilhados, e
os sujeitos são instruídos, educados, formados, de modo que possam adaptar-se o
melhor possível a esse mundo pré-existente e pré-determinado em relação a eles.
Vimos como certas interpretações da aprendizagem, e mesmo do conhecimento,
procedem desta visão.
Mas a ideia de «transmissão», por
outro lado, é própria também da visão subjetivista - ou pretensamente
«construtivista» -: segundo essa visão, são os sujeitos que constroem a
realidade, ela é uma construção social; entretanto ela se objetiva pelos
percursos da institucionalização, e assim torna-se coercitiva e normativa para
os próprios sujeitos que participam de sua construção. Através dos sistemas de
símbolos, os saberes, os savoir-faire
e os valores se sedimentam na sociedade e se tornam passíveis de transmissão. A
transmissão dos universos simbólicos permite especialmente os elos entre uma geração e outra, através das socializações (uma
apresentação muito clara desse ponto de vista deve-se, por exemplo, a Berger e
Luckmann, 1966). Nós vimos que até mesmo essa visão produziu interpretações do
conhecimento e da aprendizagem.
Nosso ponto de vista é diferente. O enfoque é colocado
sobre o agir
dotado de sentido
dos sujeitos sobre seus processos de
ações e de decisões: processos
permanentes, nunca terminados, estendidos a diversos níveis, sempre entremeados
a outros processos. A realidade então se banaliza, não é nem determinada nem
indeterminada, cada sujeito tem a sua realidade, sempre mutável. Sobretudo, ela
não é nem reificada nem reificável. Os saberes,
as capacidades, os valores, são mais ou menos compartilhados e se difundem
através das relações entre processos de ação, não devido a uma transmissão, mas
por apropriação, por aprendizagem. Vimos
que há também interpretações do conhecimento e da aprendizagem que estão em
coerência com esse outro ponto de vista.
Passemos às implicações, pelo menos no que diz respeito a
alguns pontos importantes que nos interessam aqui.
Uma primeira implicação refere-se à
relação entre o sujeito e o seu mundo. As visões objetivista e subjetivista,
reificando a realidade, separam o «sistema» e o «ator». Fala-se então de
«contextos», de «lugares» de atividades diversas. Separam-se dessa maneira - e
no extremo se reificam - os «lugares de educação» e os «lugares de trabalho»,
que de maneira mais geral podem-se identificar como os «lugares» para onde o
ensino «transmite» os saberes e as capacidades susceptíveis de serem úteis e
utilizáveis. De acordo com a visão fundada sobre os processos de ação, o sujeito que age não é separável dos processos que lhe são concernentes. O sujeito
que aprende apropria-se dos saberes e das capacidades na medida em que entra em relação com os
processos disciplinares, apropria-se deles a partir das competências inerentes
aos seus processos de ação e os utiliza transformando-os e integrando-os nesses
processos de ação.
Uma segunda implicação,
estritamente conectada à primeira, diz respeito aos aspectos do ensino que são
negligenciados ou insuficientemente considerados pelas visões subjacentes à
ideia da «transmissão». Vimos como essa ideia leva a abandonar os problemas da
escuta e da compreensão, bem como a subestimar os problemas da aprendizagem e
da utilização do que se aprende. Ela leva também a enclausurar de alguma
maneira, o julgamento sobre o que é necessário ensinar, e também a avaliação
dos resultados do ensino, na própria atividade de ensino, ou melhor, a
desligá-los dos processos de ação que ativam e utilizam a aprendizagem - por
exemplo, os processos do futuro trabalho dos estudantes e do trabalho atual dos operadores de serviços sanitários. De acordo com nosso
ponto de vista, ao contrário, é a partir desses processos de ação, não
separáveis dos sujeitos envolvidos, produzidos e transformados continuamente
por eles, que se pode avaliar por um lado as necessidades de aprendizagem e por
outro lado, os resultados do ensino.
Uma última implicação recai sobre as maneiras de ver as
relações entre os saberes e as capacidades por
um lado e as competências dos sujeitos que aprendem, por outro lado, entre as
regras relativas às disciplinas e as regras relativas às atividades dos
sujeitos. De acordo com as visões que levam à ideia de «transmissão» essas
relações trazem problemas, devido às separações que essas visões pressupõem. O
problema consiste especialmente em encontrar soluções para correlacionar aquilo
que é visto separado. De acordo com nosso ponto de vista, esses problemas não
subsistem: a epistemologia que
permite raciocinar em termos de processos de ação
implica que não se pode separar, mas apenas distinguir, os processos que estão
em relação recíproca, ligados, misturados: processos de ação de trabalho, de
ensino, de aprendizagem.
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Gesellschaft. Tübingen : Mohr. (1956
ed. crítica de J. Winckelmann).
· O dicionário histórico da língua francesa, Robert Historique, é muito útil para se refletir sobre a origem das
palavras em todas as línguas latinas. Na frase seguinte, «ensinar» traduz o
francês enseigner e «informar» traduz
o francês renseigner. A palavra apprendre tem na língua francesa, tanto
o sentido de «ensinar» como o de «aprender». Apprendre à quelqu’un significa «ensinar a alguém», «levar alguém a
aprender». Neste trabalho o autor contrapõe os termos «ensino» (enseignement em francês) e «levar alguém
a aprender» (apprendre à quelqu’un).
Assim, a tradução de apprendre à
quelqu’un será toda vez «levar alguém a aprender» (NT).
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